sábado, 2 de janeiro de 2016

O RELACIONAMENTO PASTORAL CONSIGO MESMO


Por Pr. Silas Figueira

Charles H. Spurgeon declara que nós somos em certo sentido as nossas próprias ferramentas, e, portanto, devemos guardar-nos em ordem. Nosso próprio espírito, alma, corpo, e vida interior são as nossas mais íntimas ferramentas para o serviço sagrado.1 O sucesso de um profissional, até certo ponto, independe de sua vida particular ou privada. E é um pouco provável que o caráter de um arquiteto, médico ou dentista vá interferir diretamente no seu desempenho profissional. Porém, não á assim com o ministro de Deus.2 O bom desempenho do ministro está fundamentalmente ligado ao seu caráter. Ele lidera pessoas a quem deve ensinar a verdade e procurar desenvolver o bem-estar e o crescimento espiritual delas. O apóstolo Paulo escrevendo a Timóteo lhe disse: “Ninguém despreze a tua mocidade; pelo contrário, torna-te padrão dos fiéis, na palavra, no procedimento, no amor, na fé, na pureza” (1Tm 4.12). 

Paulo quando escreve esta carta, Timóteo estava pastoreando a igreja de Éfeso. Timóteo estava provavelmente com cerca de 35 anos. Mesmo com pouca idade, o jovem Timóteo deveria ser o modelo a ser seguido, e em quatro áreas Paulo lhe aconselha que ele deveria ser exemplo. Primeiramente na palavra – se refere a sua conversa de todos os dias, além da pregação da Palavra. No procedimento – diz respeito à conduta geral na sua vida; ambos devem, segundo se supõe, ser marcados por grande decoro e graça cristã. Os outros três termos denotam qualidades interiores que, mesmo assim, afetam o comportamento externo do homem - o amor, isto é, a caridade fraterna em pleno sentido cristão; a fé, que provavelmente significa a “fidelidade” (Rm 3.3; Gl 5.22); e a pureza (Gr. Hagneia), que abrange não somente a castidade em questão de sexo, como também a inocência e integridade de coração que são denotadas pelo substantivo correlato hagnotes em 2Co 6.6.3 

O apóstolo Paulo nessa mesma carta lhe disse: “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina” (1Tm 4.16). Antes de o pastor cuidar dos outros ele precisa se cuidar, pois a vida do pastor é a vida do seu pastorado. Muitos pastores estão cansados no ministério e do ministério por cuidar dos outros sem cuidar de si mesmos. 

Um obreiro cansado pode cair em descrédito, pois não vigiam e acabam perdendo o ministério porque foram seduzidos pelos encantos do poder. Acabam se embriagando pela sedução do dinheiro, e acabam caindo nas teias da tentação sexual. Entenda uma coisa, se um pastor perder a credibilidade, perde também o seu ministério. A integridade é o fundamento do seu ministério, sem vida íntegra não existe pastorado.4 

Dentro desse Relacionamento Consigo Mesmo o pastor deve buscar três coisas que serão importantes para toda a sua vida. São elas: Vida Piedosa, Humildade e Paixão na Pregação. 

VIDA PIEDOSA

Esta palavra vem do latim “pietate”, e significa “amor e respeito pelas coisas religiosas, comiseração, sentimento inspirado pelos males alheios”. A vida piedosa implica em reverente dedicação à obra de Deus e submissão à sua vontade. A piedade desnuda o egocentrismo, porque se preocupa com o bem do próximo. O pregador sem compaixão pela salvação dos perdidos desconhece a piedade. A piedade não admite simulações, mas revela-se em zelo ardente pelas coisas espirituais (1Tm 4.8; Hb 12.28; 2Pe 1.3,6).5

Hernandes Dias Lopes diz que uma das áreas mais importantes da pregação é a vida do pregador. Ele cita John Stott quando afirma que a “prática da pregação jamais pode ser divorciada da pessoa do pregador”. O que nós precisamos desesperadamente nestes dias não é apenas de pregadores eruditos, mas, sobretudo, de pregadores piedosos. A vida do pregador fala mais alto que seus sermões.6

R. L. Dabney diz que a primeira qualificação de um orador sacro é uma sincera e profunda piedade. Um ministro do evangelho sem piedade é um desastre. Infelizmente, a santidade que muitos pregadores proclamam é cancelada pela impiedade de suas vidas. Há um divórcio entre o que os pregadores proclamam e o que eles vivem. Há um abismo entre o sermão e a vida, entre a fé e as obras. Muitos pregadores não vivem o que pregam. Eles condenam o pecado no púlpito e o praticam em secreto. Charles Spurgeon chega a afirmar que “o mais maligno servo de satanás é o ministro infiel do evangelho”. John Shaw diz que enquanto a vida do ministro é a vida do seu ministério, os pecados do ministro são os mestres do pecado. Ele ainda afirma que é uma falta indesculpável no pregador quando os crimes e pecados que ele condena nos outros, são justamente praticados por ele. O apóstolo Paulo evidencia esse grande perigo: “Tu, pois, que ensinas a outrem, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregasque não se deve furtar, furtas? Dizes que não se deve cometer adultério e o cometes? Abominas os ídolos e lhes roubas os templos? Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei? Pois, como está escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por vossa causa”. Rm 2.21-24

Richard Baxter diz que os pecados do pregador são mais graves do que os pecados dos demais homens, porque ele peca contra o conhecimento. Ele peca contra mais luz. Os pecados do pregador são mais hipócritas, porque ele tem falado diariamente contra eles. Mas também os pecados do pregador são mais pérfidos, porque ele tem se engajado contra eles. Antes de pregar aos outros, o pregador precisa pregar a si mesmo. Antes de atender sobre o rebanho de Deus, o pregador precisa cuidar de sua própria vida (Atos 20.28). Conforme escreve Thielicke, “seria completamente monstruoso para um homem ser o mais alto em ofício e o mais baixo em vida espiritual; o primeiro em posição e o último em vida”.7

HUMILDADE

“Humildade” vem do latim “Humilitate”. O dicionário Aurélio a define como “virtude que nos dá o sentido da nossa fraqueza”. Já a palavra “humilde” significa ser singelo, simples, modesto, respeitoso, aceitador, submisso. Jamais poderá o ter o pregador uma postura arrogante ou exibicionista.8

Jesus é o nosso exemplo para termos uma vida humilde. Ele mesmo nos deixou o exemplo quando lavou os pés dos discípulos (Jo 13.2-5). E quando Ele lhes disse que deveriam aprender com Ele a sermos mansos e humildes de coração (Mt 11.29). 

O apóstolo Paulo escrevendo aos Filipenses disse: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda lingua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai” (Filipenses 2.5-11). A doutrina do auto-esvaziamento ou kenosis deriva do verbo ἐκένωσεν (aoristo do verbo κενóω = tornar vazio, privar de força, esvaziar, aniquilar), usado em Filipenses 2.7 pelo apóstolo Paulo para identificar a atitude de Cristo de não ter se valido da sua natureza divina, antes dela se auto-esvaziou, assumindo a forma de servo e, tornando-se semelhante aos homens, a si mesmo se humilhou, obedecendo até à morte na cruz. 

No entanto, a auto-exaltação de alguns líderes evangélicos é uma atitude insensata, pois no Reino de Deus maior é o que serve e aquele que se humilha é que será exaltado. Deus abomina a soberba e não tolera o culto à personalidade. Essa tendência vergonhosa é resultado da soberba dos líderes e da ignorância do povo. Colocar um líder no pedestal é uma atitude indigna, pois todo líder tem os pés de barro. O único nome que deve ser exaltado na igreja de Deus é o nome de Cristo.

Na sua vida devocional o pastor precisa reconhecer que só há um que é grande, e este, é o Senhor Jesus. A humildade está em reconhecer a total dependência de Deus em todas as áreas da vida. É se ver como realmente somos, pequenos e inoperantes se a graça do Senhor não for conosco. Assim como Jesus em seu ministério ficou na total dependência do Pai, da mesma forma precisamos ficar na total dependência do nosso Deus. 

PAIXÃO NA PREGAÇÃO

D. Martyn Lloyd-Jones nos diz que pregação é lógica pegando fogo! É raciocínio eloquente! É teologia em chamas. E a teologia que não pega fogo é uma teologia defeituosa; ou, pelo menos, a compreensão de quem a prega é defeituosa. A pregação verdadeiramente é a teologia expressando-se por meio de homens que está em fogo. A verdadeira compreensão e a experiência da verdade têm de levar a isso. Repito que o homem que pode falar sobre essas coisas de maneira desapaixonada não tem qualquer direito de subir a um púlpito; e jamais se deveria permitir que ele subisse a um púlpito.9

A pregação apaixonada deve ser feita com o coração em chamas, pois não é um ensaio lido para um auditório desatento. A pregação é uma confrontação em nome do próprio Deus Todo-Poderoso. Ela precisa ser anunciada com uma alma em chamas, na autoridade do Espírito Santo. Como disse John Wesley: “Ponha fogo no seu sermão, ou ponha o seu sermão no fogo”.10

O pastor precisa pregar só a Bíblia e toda a Bíblia, pois toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino e correção. O pastor não prega as suas ideias, mas expõe a Palavra. O pastor não faz a mensagem, apenas a transmite. Deus não tem nenhum compromisso com a palavra do pregador, apenas com a Sua Palavra.

O pregador precisa pregar com profunda convicção na mensagem que esta transmitindo. David Hume, que era um filósofo deísta, britânico do século XVIII, que rejeitou o cristianismo histórico. Certa feita um amigo o encontrou apresado caminhando pelas ruas de Londres e perguntou-lhe aonde estava indo. Hume respondeu que estava indo ouvir George Whitefield pregar. Mas certamente, seu amigo perguntou atônito, você não crê no que George Whitefield prega, crê? Não, eu não creio, respondeu Hume, mas ele crê. Essa é a diferença em pregar e pregar com paixão.

Notas:
1 - Lopes, Hernandes Dias. Piedade e Paixão. Ed. Arte Editorial e Candeia, São Paulo, SP, 2007: p. 33.
2 - Mendes, José Deneval. Teologia Pastoral. Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2001, 12a Edição: p. 33.
3 - Kelly, J. N. D. 1 e 2 Timóteo, Introdução e Comentário. Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986: p. 102.
4 - Lopes, Hernandes Dias. De: Pastor A: Pastor. Ed Hagnos, São Paulo, SP, 2008: p. 122.
5 - Cabral, Elienai. O Pregador Eficaz. Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 6a Edição, 2004: p. 61.
6 - Lopes, Hernandes Dias. De: Pastor A: Pastor. Ed Hagnos, São Paulo, SP, 2008: p. 67.
7 - Lopes, Hernandes Dias. Piedade e Paixão. Ed. Arte Editorial e Candeia, São Paulo, SP, 2007: p. 20,21.
8 - Cabral, Elienai. O Pregador Eficaz. Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 6a Edição, 2004: p. 65.
9 - Lloyd-Jones, D. Martin. Pregação e Pregadores. Ed. Fiel, São José dos Campos, SP, 2010: p. 95.
10 - Lopes, Hernandes Dias. Piedade e Paixão. Ed. Arte Editorial e Candeia, São Paulo, SP, 2007: p. 83.  

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