quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Ensaios sobre a Igreja na pós-modernidade: a “Igreja Emergente”


Por Jonas Ayres

Infelizmente, são poucos os cristãos que conseguem conciliar a ortodoxia cristã com a propagação da mensagem do Evangelho para a sociedade pós-moderna. Sob a alegação que a mensagem apregoada pela igreja do horizonte moderno é muito intolerante e “fundamentalista”, passamos a encarar uma era de extremos no contexto eclesiástico. Em um dos lados da corda está o movimento da Igreja Emergente, que enfatiza sobremodo o pragmatismo, deixando de lado a teologia cristã e ajustando-a ao pensamento pós-moderno, criando assim a “Ortodoxia Generosa”[1]. A leitura do livro “Ortodoxia Generosa” de McLaren deixa muito claro ao leitor que o autor é (ou deseja ser) extremamente generoso com todo e qualquer credo existente no mundo[2], menos com o cristianismo tradicional, taxado pelo autor de exclusivista, fundamentalista e intolerante.

A origem deste movimento é recente, conforme Daniel (2007, p.29), a Igreja Emergente:

Nasceu no final do século XX, mas floresceu no início do século XXI. Trata-se de um movimento que prega a necessidade de uma nova compreensão do Evangelho e da Espiritualidade, e de uma nova teologia com uma nova abordagem da Bíblia. Um de seus mais famosos proponentes é o pastor americano Dan Kimball, que lançou em 2003 o livro The Emerging Church: Vintage Christianity for New Generations (Zondervan).[3]

E continua esclarecendo o início do movimento bem como indicando os principais divulgadores:

Apesar de Dan Kimball ter sido o primeiro a lançar um livro apresentando claramente a proposta da Igreja Emergente, não foi ele o criador do termo para designar o movimento. O título “emergente” surgiu dois anos antes do livro de Kimball e é invenção dos pastores Doug Pagitt e Brian McLaren, como este mesmo conta em seu livro Uma Ortodoxia Generosa – a Igreja em tempos de Pós-modernidade (Zondervan, EUA, 2004 e Editora Palavra, 2007).

Acaudilhados principalmente por Brian McLaren, os emergentes crescem a largos passos acusando o cristianismo “tradicional” de ser institucionalizado demais, rígido demais, ultrapassado, exclusivista ao extremo e fechado.

Dentre as características marcantes do Movimento Emergente, é possível destacar o seu espírito de protesto contra o cristianismo institucionalizado ou denominacional. Os Emergentes acreditam que o modelo de igreja comum está ultrapassado e não consegue atender as demandas do pós-modernismo. Interessante é notar que esta aversão é justamente pelo cristianismo tradicional defender a verdade absoluta, elemento que os pós-modernos têm aferro. Abominam também o conceito de hierarquia nas igrejas, julgando-os anti-bíblicos; nas Igrejas Emergentes, a figura de pastores, bispos, presbíteros praticamente não se encontram.

No aspecto teológico, os Emergentes têm verdadeira repulsa às Teologias Sistemáticas (livros ou disciplina em si) e apologética tradicional. Acreditam que as Sistemática nada mais fizeram que bitolar os crentes, sendo apenas um amontoado de textos bíblicos organizados de modo sistemático em torno das opiniões pessoais dos autores das mesmas; da mesma forma, julgam que a apologética cristã está atrasada e não deve permanecer defendendo a fé como vem fazendo no decorrer da história. Defender a fé nos dias de hoje (pós-modernismo), é ofensivo na mentalidade dos emergentes, tão pluralistas e inclusivistas[4].

O capítulo 6 do livro de Kimball (2008, p.87-100), intitulado “Nascido (Budista-Cristão-Wiccaniano-Muçulmano-Hétero-Gay) nos Estados Unidos”, mostra como os Emergente consideram os cristãos como errados em sua forma de pensar e como os emergentes são ultra-receptivos para com frentes de pensamento que divergem da verdadeira ortodoxia bíblica. Ao final do capítulo, Kimball praticamente tece – utilizando um fato real – uma apologia ao homossexualismo. Muito estranho para um cristão “clássico”, como menciona a capa da referida obra[5].

Os Emergentes julgam ser a melhor opção eclesiástica no atual contexto por defenderem que a sociedade atual é pós-cristã. Muitos que estão frequentando alguma igreja que tenha a filosofia emergente ou são pessoas “desingrejadas”, os quais outrora estiveram arrolados como membros de outra denominação, mas dada decepção de qualquer ordem migraram para este movimento, ou são pessoas das mais variadas índoles, que tem em comum a repulsa pelo modelo convencional de igreja e que se adaptam facilmente no meio Emergente, justamente por ser um meio já encharcado com o pós-modernismo.

Para o cristianismo verdadeiramente sóbrio e ortodoxo, a invasão da generosidade dos emergentes é um alerta a introdução do pós-modernismo no seio do cristianismo evangélico: “Não é de se admirar: a Igreja Emergente surgiu como um esforço deliberado para tornar o cristianismo mais apropriado a uma cultura pós-moderna (MACARTHUR, 2007, p.46).

Como dito anteriormente, além de Brian McLaren, outro expoente do Movimento Emergente é Dan Kimball. É fácil notar que a obra-prima de Kimball quanto a este movimento, intitulada “A Igreja Emergente: cristianismo clássico para as novas gerações” é dúbia, confusa e generosa demais. Já no prefácio da referida obra é possível encontrar variações de pensamento muito profundas, entre Rick Warren e Brian McLaren. As opiniões de ambos são ambíguas característica do movimento (MEISTER, 2006, p.99).

Um livro cheio de figuras, ilustrações, sugestões de modelo de culto. Chama atenção a seguinte definição, em modo de diagrama, que traz a proposta pós-moderna para que a igreja seja bem sucedida num futuro breve (KIMBALL, 2008, p.19-20):

Primeira parte deste livro: Situa-se o contexto histórico para a compreensão da necessidade de mudança. Sem compreender a primeira parte, a segunda será apenas superficial (desconstruindo). Segunda parte deste livro: Idéias práticas para eventual implementação em sua igreja e ministérios. (reconstruindo).

Enquanto muitos estão preparando sermões e se mantendo ocupados com questões internas das igrejas, algo alarmante está acontecendo do lado de fora. O que antes era uma nação com uma cosmovisão judeu-cristã está rapidamente se tornando uma nação pós-cristã, não alcançada e sem experiência nem vínculo com a igreja. Gerações estão surgindo ao nosso redor sem nenhuma influência cristã. Então devemos repensar tudo o que estamos fazendo em nossos ministérios (destaque do autor).

Desconstruir, eis o caminho Emergente. É como se tudo que o Cristianismo Histórico fez seja anátema aos Emergentes. Posando de movimento “mente-aberta”, tornam-se exclusivistas no seu modo de pensar, levando os seus seguidores a pensar que de fato trata-se enfim da aurora da verdade.

Basta uma breve análise daquilo que o próprio McLaren afirma para perceber que o movimento é nocivo à saúde da igreja cristã. Fazendo menção em todo livro “Uma Ortodoxia Generosa” a uma gama variada de credos – e como os cristãos tradicionais são “bitolados” – McLaren se mostra bastante entusiasmado e receptivo com o pluralismo religioso que rege a pós-modernidade. Provavelmente, o maior atestado deste pluralismo irrestrito de McLaren seja o capítulo 15, intitulado “Por que sou católico”, onde o autor relata um insólito episódio (MCLAREN, 2007, p.243-244):

Um dia, minha caminhada matinal me levou até a Igreja Católica Romana Nossa Senhora da Paz, perto do meu hotel. Atrás da igreja havia uma enorme estátua de Maria cercada por um lindo jardim, que por sua vez estava cercado de pistas abarrotadas. Atraído por esse pequeno jardim de paz no meio do trânsito matinal caótico da área da baía, me vi sentado sobre um banco com a imagem de Maria me fazendo sombra, me olhando com um olhar gentil e seus braços estendidos em minha direção. (…) Que irônico, pensei, para um menino criado em família protestante estar sentado ali com lágrimas nos olhos, emocionado com Nossa Senhora da Paz (…). Naquele dia também me tornei, em certo sentido, um pouco mais católico.

É de se supor que McLaren tenha postura semelhante ao se deparar com a imagem de Buda, Shiva ou Osíris? Se a igreja migrar para este tipo de conduta ecumênica e irrestrita, poderemos jogar no lixo 500 anos de Reforma Protestante.

Outro livro de importância para a Igreja Emergente, de autoria de Brian McLaren é “A Igreja do outro lado”[6]. Tal livro mostra a aversão da Igreja Emergente pela Teologia Sistemática, Apologética Tradicional e organização eclesiástica.

Por fim, outro autor que influencia o modelo Emergente é Stanley J. Grenz, com seu livro “Pós Modernismo: um guia para entender a filosofia de nosso tempo”[7].

CRÍTICA À IGREJA EMERGENTE

Se o Movimento Emergente está crescendo a largos passos, o volume de páginas na internet, seja sites ou blogs, artigos e livros com as devidas criticas ao liberalismo extrapolado dos emergentes cresce praticamente na mesma proporção.

O problema não pode ser ignorado, pois o movimento emergente, carregado com a filosofia pós-moderna, avança com muita força, misturando algumas verdades com muitos sofismas. Vejamos as palavras a seguir (MACARTHUR, 2008, p.11) numa advertência sobre o risco deste movimento:

Hoje em dia, esse tipo de coisa [Igreja Emergente] goza de muita popularidade. McLaren foi o autor ou o co-autor de cerca de uma dúzia de livros, e seu total desprezo pela certeza é um tema ao qual ele volta repetidas vezes. Em 2003, a editora Zondervan e a organização Especialidades da Juventude trabalharam em conjunto para iniciar uma linha de produtos chamada Emergente/EJ. Publicam livros, DVDs e produtos de áudio num ritmo intenso e em abundância.

Os críticos do movimento apontam os erros mais evidentes dos Emergentes, alguns deles já apresentados de modo simples anteriormente. Enquanto alguns críticos são mais “amigáveis”, outros são mais explícitos nas palavras. Vejamos a seguinte declaração (LAHAYE, 2007):

Entre os falsos ensinos que brotam da Igreja Emergente encontra-se uma forma não tão sutil de ataque à autoridade da Bíblia – um claro sinal de apostasia. Eles não mais afirmam: “Assim diz o Senhor” (apesar do uso dessa expressão por mais de duas mil vezes na Bíblia), por temerem que isso ofenda aquelas pessoas que apregoam a igualdade de todas as opiniões quanto ao seu valor. A Palavra de Deus não é mais interpretada por aquilo que realmente diz; em vez disso, é interpretada por aquilo que diz para você, desconsiderando, assim, o fato de que a formação educacional e a experiência de vida de uma pessoa podem influenciar a maneira pela qual ela interpreta as Escrituras, a ponto de levá-la irrefletidamente a um significado nunca planejado por Deus para aquele texto.

E continua expressando sua reprovação e opinião particular sobre a Igreja Emergente:

Eu, particularmente, creio que eles [defensores do pós-modernismo emergente], na verdade, são hereges, apóstatas e lobos “disfarçados em ovelhas”. Devido ao fato do cristianismo liberal ter caído no vácuo do descrédito e das igrejas liberais terem ficado vazias, eles agora fazem uma tentativa de re-empacotar sua teologia sob a forma de pós-modernismo. Na realidade, a maior parte desses conceitos não passa daquilo que costuma ser chamado de modernismo ou liberalismo, ainda que expressos com uma terminologia pós-moderna.

Muitos se assustam ao ler opiniões como a citada acima, mas nunca se deve esquecer que, na história cristã, em praticamente 2.000 anos, inúmeras investidas contra a ortodoxia surgiram, muitas delas explicitamente contrárias aos padrões bíblicos e outras um pouco mais “amigáveis” e “agradáveis”.

No Movimento Emergente, outra característica muito marcante é a ênfase dada ao pragmatismo (ou ortopraxia); levando sempre em consideração o conceito popular de que se algo está crescendo, fazendo e acontecendo, por inferência esse algo é bom. Será? Por isso é sempre necessário avaliar os mais finos conceitos que regem um movimento (ainda mais quando tal reivindica ser cristão). Vejamos a opinião de um cristão bíblico que tem lutado muito contra as investidas emergentes (MACARTHUR, 2008, p.66):

Mas o que deve ser notado aqui é que, no sistema de McLaren, a ortodoxia realmente é uma questão de prática e não de crenças verdadeiras. Embora reconheça que esta idéia é “escandalosa”, apesar disso, ele a afirma como a mensagem central do seu livro [Uma Ortodoxia Generosa]. Francamente, é difícil ver essa perspectiva como outra coisa, senão como a velha e familiar incredulidade, arraigada numa rejeição dos ensinos claros das Escrituras. McLaren elevou as boas obras do próprio pecador acima da importância da fé fundamentada na verdade do Evangelho. Não devemos admirar que ele sinta grande afinidade com budistas e hinduístas. No campo final, muitas das idéias dele a respeito do papel da retidão e das boas obras no cristianismo não diferem fundamentalmente das idéias dessas religiões.

Por fim, vale lembrar que a Igreja Emergente no Brasil segue passos um pouco diferentes da igreja americana. Os Emergentes no Brasil estão aparecendo cada vez mais inseridos em igrejas novas ou velhas, mas que abriram as portas para a filosofia relativista da pós-modernidade. Como praticamente tudo que vem de fora encontra solo fértil na mentalidade espiritualista consumista do brasileiro, não é de se estranhar que esta moda ainda venha a se manifestar de modo intenso nos próximos anos.[8]

Focalizando a problemática que este movimento representa para os brasileiros, já é possível localizar boas obras cristãs escritas originalmente no contexto brasileiro contra modismos como a teologia da Igreja Emergente.

Para uma compreensão mais profunda sobre o perigo que este movimento representa para a igreja, a leitura do livro “A Sedução das Novas Teologias”, de Silas Daniel é muito proveitosa.[9]

No entanto, é preciso reconhecer que o Movimento Emergente está “chacoalhando” a igreja cristã tradicional, levando-a a repensar sobre sua verdadeira missão. É um fato que a grande maioria dos cristãos está muito satisfeita com a presença apenas nos cultos dominicais, levando a vida simplesmente amparada por uma mera religiosidade sem os frutos que Jesus espera da Sua igreja.

O aspecto prático do cristianismo e a missão no mundo precisam ser restauradas. O grande problema que a igreja terá que resolver é como levar a mensagem cristã para os pós-modernos sem ser influenciado pelo seu pensamento relativista. De fato é um grande desafio que não poderá ser enfrentado (e vencido) enquanto a igreja permanecer lacrada entre quatro paredes, dormindo em sua inércia. Levando em conta que tanto os Emergentes como as pessoas moldadas pela filosofia pós-moderna anseiam por algo mais prático, urge a necessidade de relembrar a necessidade do aspecto prático do cristianismo.

NOTAS

[1] “Ortodoxia Generosa” é também o nome de um livro de Brian McLaren, importante divulgador e defensor do movimento Emergente. Publicado no Brasil pela Editora Palavra (Brasília, 2007). O tom confuso do livro – adaptado ao contexto pós-moderno relativista e pluralista pode ser facilmente identificado na capa do mesmo, onde o autor diz “Por que sou um cristão missional, evangélico, pós-protestante, liberal/conservador, místico/poético, bíblico, carismático/contemplativo, fundamentalista/calvinista, anabatista/anglicano, metodista, católico, verde, encarnacional, deprimido-mas-esperançoso, emergente e inacabado”.

[2] Não afirmo que o diálogo entre as religiões não deve ocorrer, mas que adentrar no ecumenismo irrestrito que o pluralismo da pós-modernidade propõe pode levar o cristão à apostasia.

[3] Livro já publicado no Brasil com o título “A Igreja Emergente: Cristianismo clássico para as novas gerações”, São Paulo: Vida, 2008.

[4] Este pensamento não generoso de Brian McLaren para com a Teologia Sistemática e Apologética está muito explícito nas linhas dos livros “Uma Ortodoxia Generosa” e “A Igreja do Outro Lado”.

[5] O Homossexualismo é um fato na sociedade contemporânea. O homossexual deve ser respeitado como ser humano, sendo repulsiva toda e qualquer forma de violência contra o cidadão seja por palavras ou ações. Os homossexuais, assim como todo e qualquer cidadão, diante da lei têm seus direitos e deveres. Entretanto, perante as premissas bíblicas, tais práticas são consideradas pecaminosas, e a cultura secular não deve se infiltrar na igreja a ponto do cristianismo passar a encarar esta prática como normal e aceitável. Uma ditadura gay tenta ser implantada no mundo, sob o falso pressuposto de homofobia, onde o que de fato se observa é o levantar da bandeira heterofóbica por parte das militâncias homossexuais.

[6] Editora Palavra, Brasília, 2008.

[7] Edições Vida Nova, São Paulo, 2008.

[8] Recentemente alguns modelos de igreja foram importados para o Brasil (efeitos da globalização religiosa); uns ficaram, outros aos poucos caem no esquecimento (embora as feridas ainda marquem a igreja). Modas como “A Benção de Toronto”; “Avivamento de Pensacola” e “Igreja em Células no Governo dos 12 – G12” bagunçaram muito a eclesiologia brasileira.

[9] CPAD, Rio de Janeiro, 2007. Ler em especial os capítulos 2 e 5.

BIBLIOGRAFIA

DANIEL, Silas. A sedução das novas teologias. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

MACARTHUR, John. A guerra pela verdade. São José dos Campos: Editora Fiel, 2008.

MEISTER, Mauro. Igreja Emergente, a igreja do pós-modernismo? Uma avaliação provisória. in Revista Fides Reformata XI, n.º 1 (p.95-112). São Paulo, 2006

KIMBALL, Dan. A igreja emergente: cristianismo clássico para as novas gerações. São Paulo: Editora Vida, 2008.

MCLAREN, Brian D. Uma ortodoxia generosa. Brasília: Editora Palavra, 2007.

_____________. A Igreja do outro lado. Brasília: Editora Palavra, 2008.

GRENZ, Stanley J. Pós-modernismo: um guia para entender a filosofia de nosso tempo. São Paulo: Edições Vida Nova, 2008.

LAHAYE, Tim. A Igreja Emergente: a Laodicéia do século 21? Publicado originalmente na Revista Chamada da Meia-Noite, setembro de 2007. Texto consultado em www.chamada.com.br em 18/01/2010.

Fonte: NAPEC

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