terça-feira, 1 de julho de 2014

Oração não é “magia branca”




Por Geoffrey Willour 

“E quando orarem, não fiquem sempre repetindo a mesma coisa, como fazem os pagãos. Eles pensam que por muito falarem serão ouvidos. Não sejam iguais a eles, porque o seu Pai sabe do que vocês precisam, antes mesmo de o pedirem.” (Jesus Cristo no Evangelho de Mateus 6.7-8, ARA)

“A Oração é um santo oferecimento dos nossos desejos a Deus, por coisas conformes com a sua vontade, em nome de Cristo, com a confissão dos nossos pecados, e um agradecido reconhecimento das suas misericórdias.”(Resposta da pergunta #98 do Breve Catecismo de Westminster)

A oração é o grande privilégio do crente. Quando nós crentes vamos ao encontro do nosso Pai celestial em oração, através da fé em Seu Filho Jesus Cristo, nosso único mediador, literalmente entramos pelo Espírito Santo no que pode ser descrito como outra dimensão. Na oração nós nos achegamos ao trono da graça, entramos no santuário interno, o celestial Santo dos Santos, a própria sala do trono da presença de Deus onde o Criador do universo é servido por anjos, apóstolos, santos e mártires, e toda a companhia celeste (Hebreus 4.14-16; 12.14-24,28-29; Apocalipse 4-5; 7.9-12). Quando Jesus morreu na cruz pelos nossos pecados, tendo de uma vez completado a obra de expiação e entregado Seu espírito ao Pai, o véu no Templo separando o Santo lugar do Santo dos Santos foi rasgado em dois de cima a baixo, indicando que o Pai efetuou a redenção pelo Seu Filho e que agora o caminho para o Santo dos Santos foi aberto (todo o tempo) para todos o que creem (e não somente uma vez ao ano para o sumo-sacerdote (somente), como era antes na antiga aliança – veja Mateus 27.50-51). Na oração nós realmente nos achegamos a Deus em uma santa e íntima união pactual.

Assim, a ordenança da oração é poderosa. De fato, a tradição reformada e presbiteriana historicamente tem visto a oração como sendo em certo sentido um meio de graça (não no sentido de que Deus objetivamente oferece e sela Sua graça em nós, como Ele faz com a Palavra e os sacramentos, mas no sentido de que a oração é um meio pelo qual nós, pela fé, recebemos subjetivamente a graça de Deus em Cristo, que é oferecida objetivamente a nós pela Palavra e sacramentos). Portanto, a oração é uma coisa poderosa. Entretanto, hoje a prática da oração é vista com muitos equívocos, e existem muitas ideias falsas por aí sobre a oração. Um equívoco comum é uma visão do poder da oração que basicamente torna a oração numa forma de magia branca.

Como são alguns exemplos dessa visão da oração como uma forma de magia branca? Bem, querido leitor, deixe-me procurar responder essa questão te perguntando algumas coisas para colocar o problema em evidência. Você acha que suas orações são mais efetivas se elas são longas e prolixas? Você acha que seria mais abençoado por Deus e seria uma pessoa mais espiritual se você gastasse períodos prolongados na prática da oração? Você acredita que quanto mais pessoas estão orando por você, é mais provável que Deus ouça suas orações e te garanta as bênçãos e pedidos que você procura? Você acha que Deus estará mais propenso a te escutar se você conseguir uma pessoa em particular que você considera especialmente santa (por exemplo, seu pastor, ou um cristão maduro que você admira) a orar por você? Você acha que usando uma fórmula particular de oração (como a popular “oração de Jabez” ou a antiga “oração de Jesus”) vai conseguir a atenção de Deus melhor que usar suas próprias palavras na oração? Se você respondeu “sim” a quaisquer dessas perguntas, então você pode ter sido influenciado pelas noções populares, mas não-bíblicas, de oração, noções pagãs que basicamente tornam a oração em uma forma de magia branca.

As maiores expressões de oração como “magia branca” podem ser encontradas em certos círculos carismáticos e pentecostais, especialmente entre os chamados pregadores da prosperidade. Por exemplo, eu ouvi um pregador da prosperidade (do tipo “declare e reinvidique”) se gabando de como ele basicamente manda em Deus. A ideia em alguns dos círculos supostamente “cristãos” é que se você tem bastante fé pode basicamente “declarar e reinvidicar” suas bênçãos de Deus – incluindo as bênçãos de cura, saúde, riqueza, e prosperidade. Entretanto, isto passa o mais longe possível da doutrina bíblica sobre a oração. (Tente dizer a Jó, ou o Apóstolo Paulo, ou Estevão o Mártir – todos homens de oração profunda e sincera – que eles somente não tiveram fé o suficiente para “declarar e reinvidicar” suas bênçãos, ou que suas dificuldades e sofrimentos são evidência de uma fé fraca). Além de ser completamente blasfemo, é também completamente pagão. É o exemplo mais extremo de oração como magia branca. Isto transforma Deus em um capataz e sujeita o Criador à vontade da criatura. Não é um meio de fazer Deus de capacho ou dar ordens a Deus. Antes, é um caminho pelo qual nós expressamos nossa total dependência do Soberano do universo, e humildemente pedimos a Ele por coisas que são necessárias para nós e agradáveis à Sua vontade. É um meio pelo qual nós dizemos a Deus, “Seja feita a tua vontade” (e não, “Senhor, faça a minha vontade).

Quando os discípulos do nosso Senhor pediram que Ele os ensinasse como orar, Ele os ensinou um modelo de oração que veio a ser conhecido como a “Oração do Senhor”¹ (Lucas 11.1-4; Mateus 6.9-13). (Seria mais preciso a chamá-la de “a oração dos discípulos”, porque ela pretendia servir como modelo de oração para os seguidores de Jesus Cristo.) Enquanto muitas coisas podem ser ditas sobre esse modelo de oração, eu faria somente algumas observações. Primeiramente, esta oração é muito curta e direta ao ponto. Pode ser orada em menos de 30 segundos. Segundo, ela é muito íntima (Deus é chamado pelo crente de “Pai Nosso”) e simples, evitando o excesso de floreio e vã repetição caracterizados pela oração do tipo “magia branca” que acontece hoje. Terceiro, ela é completamente teocêntrica e focada no Reino. Somente uma das petições (“O pão nosso de cada dia nos dai hoje”) se foca em nós e nossas necessidades terrenas, e mesmo assim somente pede pelo que precisamos (pão nosso de cada dia), e não o que nós poderíamos querer (saúde, riqueza, facilidade, conforto, prosperidade, etc.). Finalmente, ela é uma oração que manifesta uma atitude de total submissão à vontade de Deus, o oposto de tentar forçar Deus a servir nossos desejos ou interesses ou pautas. A oração “magia branca” procura usar Deus para propósitos egocêntricos. A oração verdadeira procura se submeter à vontade de Deus em humildade e gratidão. Quando somos tentados a nos inclinar ao modo de pensar da “oração magia branca”, faríamos bem em refletir sobre a Oração do Senhor.

A oração é um grande privilégio. A oração é poderosa. A oração é vital para a vida spiritual e a saúde tanto do crente individual como da igreja corporativa. Entretanto, oração não é magia branca, e Deus não é nosso Mordomo Cósmico. À medida que procuramos ser pessoas devotadas à Palavra e à oração, deixemo-nos lutar por uma teologia bíblica sobre oração, para a glória de Deus e para o nosso bem espiritual.

(Ao longo desse texto, eu realmente apreciei alguns dos comentários do Rev. Jonathan Fisk, pastor luterano do Sínodo de Missouri, faz do tema da oração perto do final desse recente vídeo do “Worldview Everlasting”. Foi dos comentários do Pastor Fisk que eu tirei a ideia de classificar as falsas noções de oração como “magia branca”.)


¹ A “Oração do Senhor” é mais conhecida aqui no Brasil como o “Pai Nosso”, mas mantivemos a tradução por causa do contraste que ele faz logo depois com a “oração dos discípulos”.

Fonte: Reforma 21

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