Por Pr. Silas Figueira
“Conheço a tua tribulação, a
tua pobreza (mas tu és rico) e a blasfêmia dos que a si mesmos se declaram
judeus e não são, sendo, antes, sinagoga de Satanás”. (Ap 2.9)
“Conheço
a tua tribulação...”
No
grego é usado o termo “Thlipsis”, que
tem o sentido de pressão, opressão, literalmente, significa
esmagar um objeto, comprimindo-o. Descreve a vítima sendo esmagada, e seu
sangue extraído. Descreve pessoas sendo esmagadas até a morte por uma enorme
pedra. Também descreve a dor de uma mulher ao dar à luz [1]. Thlipsis é
derivado de “thlibo”, que tem o
sentido de pressionar, pressionar junto.
Aqui nesse texto a ideia é de perseguição devido ao ódio dos judeus e gentios
contra a igreja.
Quando
o Senhor disse: “Conheço a tua
tribulação”, Ele está dizendo: “Sei
exatamente o que está se passando. Já passei por isso. Sei como se sente. Sei
como é ser falsamente acusado, molestado e cuspido. Sei o que é ser açoitado,
escarnecido e morrer de maneira injusta. Sei o que está sofrendo, e valorizo
grandemente a sua lealdade”.
Em
Esmirna, os crentes eram dolorosamente esmagados sob as rígidas leis romanas.
Muitos eram arrancados de suas casas, capturados nas feiras livres e levados
cativos. César jogava toda a força de seu poderoso império sobre esta pequena
igreja. E muitos desses santos já haviam
selado seus testemunhos com o próprio sangue [2].
“...
a tua pobreza (mas tu és rico)...”
Aqueles
crentes eram pobres, mas não porque não trabalhassem – sendo essa a causa mais
comum da pobreza – mas devido às perseguições que sofriam. Suas propriedades
foram confiscadas ou destruídas, e eles sofriam encarceramento. Foram reduzidos
a nada, pela ira do imperador. A simples sobrevivência física tornou-se um
problema, pela falta de alimento.
Em
seu comentário sobre o Apocalipse, R.N. Champlin conta a história de certo
homem chamado Nicodemos, cuja família possuía uma décima parte da indústria de
estanho em Roma. Mas ,
tento a família abraçado o cristianismo, depois da ressurreição de Cristo, foi
reduzida a uma pobreza extrema, e as filhas da família podiam ser vistas a
revirar os monturos, atrás de detritos, para isso matar a fome. Por
conseguinte, aprende-se, por exemplos como esses, que a piedade não é garantia
da riqueza física [3].
Precisamos
estar permanentemente advertidos de que o ter
pode comprometer o ser. Quando
Salomão passou a remunerar os profetas que trabalhavam em seu palácio, esses se
calaram diante das injustiças e se esqueceram do povo. A Igreja primitiva não
tinha posses nem mesmo templos para celebrar os cultos, porém foi capaz de
abalar as estruturas do Império Romano com sua mensagem e testemunho de vidas [4].
Havia duas palavras para pobreza no grego: ptochéia e penia. A primeira é pobreza total, extrema. Era representada pela
imagem de um mendigo agachado. Penia
é o homem que carece do supérfluo, enquanto que ptochéia é o que não tem nem sequer o essencial. João usou a
palavra ptochéia para descrever a
pobreza dos esmirneanos. A pobreza dos crentes era um efeito colateral da tribulação.
Ela vinha de algumas razões:
1) Os crentes eram procedentes
das classes mais pobres e muitos deles eram escravos. Os primeiros cristãos
sabiam o que era pobreza absoluta.
2) Os crentes
eram saqueados e seus bens eram tomados pelos perseguidores. O autor de Hebreus
nos dá uma ideia do que estava acontecendo naquela época aos cristãos de Roma e
era um reflexo do que estava acontecendo em outras igrejas também, no caso
aqui, em Esmirna:
“Lembrai-vos,
porém, dos dias anteriores, em que, depois de iluminados, sustentastes grande
luta e sofrimentos; ora expostos como em espetáculo, tanto de opróbrio quanto
de tribulações, ora tornando-vos co-participantes com aqueles que desse modo
foram tratados. Porque não somente vos compadecestes dos encarcerados, como
também aceitastes com alegria o espólio dos vossos bens, tendo ciência de
possuirdes vós mesmos patrimônio superior e durável”. (Hb 10.32-34).
3) Os crentes
haviam renunciado aos métodos suspeitos e, por sua fidelidade a Cristo, perderam os lucros fáceis que foram para
as mãos de outros menos escrupulosos; ou judeus e pagãos podem ter-se negado a
fazer negócios com eles [5].
“... mas
tu és rico...”
A
igreja de Esmirna era rica não em bens materiais, mas em riqueza espiritual.
Isso pode ser comparado ao caso da igreja de Laodicéia, que era “rica” quanto
às riquezas materiais, porém, inteiramente paupérrima quanto às riquezas
espirituais.
O
Senhor diz para os crentes de Esmirna que eles não deviam sentir piedade de si
mesmos. Podiam parecer pobres, mas, na realidade, eram ricos, a saber, de bens
espirituais, ricos da graça e de seus frutos [6].
Enquanto o
mundo avalia os homens pelo ter,
Jesus os avalia pelo ser. Importa ser
rico para Deus. Importa ajuntar tesouros no céu. A igreja de Esmirna era pobre,
mas era fiel. Era pobre, mas rica diante de Deus. Era pobre, mas possuía tudo e
enriquecia a muitos [7].
Nós
podemos ser ricos para com Deus, ricos na fé, ricos em boas obras. Podemos
desfrutar das insondáveis riquezas de Cristo. À vista de Deus há tantos pobres
homens ricos como ricos homens pobres. É melhor ser como a igreja de Esmirna,
pobre materialmente e rica espiritualmente, do que como a igreja de Laodicéia,
rica materialmente, mas pobre diante de Cristo.
Ensinar
a igreja a ter um estilo de vida simples é ensinar à igreja o caminho da
dependência de Deus, e não de coisas e de materiais. É também ensiná-la a ter
os olhos e atitudes mais sensíveis para com os necessitados. A tirar os olhos
de si mesma e passar a ver os outros. Só assim uma comunidade será rica. A
riqueza e a prosperidade material não são sinônimos de riqueza espiritual. É
possível uma igreja ser rica material e espiritualmente. Mas mesmo que uma
comunidade seja materialmente abastada, precisará revelar os valores de Deus
nessa área da vida. Nosso desafio é mostrar ao mundo que a piedade é grande fonte de lucro. Mostrar que somos uma comunidade
rica em piedade e satisfeita com o
que Deus nos tem proporcionado [8].
“... e
a blasfêmia dos que a si mesmos se declaram judeus e não são...”
Em
Esmirna, havia uma grande comunidade judaica que hostilizava fanaticamente o
cristianismo. Esta comunidade judaica estava ajudando os romanos na perseguição
contra a igreja de Esmirna espalhando falsos rumores sobre os cristãos. Os
inimigos de Cristo estavam caluniando o Seu povo, “blasfemando” contra eles,
por essa razão, esses judeus haviam perdido o direito de serem chamados de
Israel de Deus. Eles eram judeus de raça, mas não eram filhos de Abraão na fé.
O apóstolo Paulo escrevendo aos romanos diz: “Porque não é judeu quem o é
apenas exteriormente...” (Rm 2.28a), e, “...porque nem todos os de Israel
são, de fato, israelitas; nem por serem descendentes de Abraão são todos seus
filhos; mas: em Isaque será chamada a sua descendência. Isto é, estes filhos de
Deus não são propriamente os da carne, mas devem ser considerados como
descendência os filhos da promessa”. (Rm 9.6-8). O apóstolo Paulo diz
enfaticamente que somente os nascidos de novo, e isso independe de raça, são os
verdadeiros israelitas; observe: “porém judeu é aquele que o é
interiormente...” (Rm 2.29a). Em Gálatas 3.7 o apóstolo Paulo diz: “Sabei,
pois, que os da fé é que são filhos de Abraão”, e em Gálatas 6.16 ele
chama a Igreja Cristã de “Israel de Deus”.
Podemos resumir tudo isso dizendo que, os verdadeiros judeus são aqueles que
confiam em Cristo, os quais, por isso mesmo conquistaram legítimo direito de se
chamarem judeus e de possuírem os seus privilégios espirituais. Como diz no
Evangelho de João falando a respeito de Jesus: “Veio para o que era seu, e os
seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de
serem feitos filhos de Deus, aos que creem no seu nome; os quais não nasceram
do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (Jo
1.12-13).
A
maledicência exerce uma estranha fascinação sobre todos nós. Como diz o livro
de Provérbios: “As palavras do maldizente são comida fina, que desce para o mais
interior do ventre” (Pv
26.22). E os descrentes de Esmirna nutriam-se exatamente dessas suculentas
iguarias. Mas os cristãos foram profundamente feridos por causa desse abuso.
Era doloroso ser mal interpretado e difamado. Entretanto, não é de duvidar que
eles seguiam os passos de seu humilde Mestre, de quem está escrito: “Quando
insultado, não revidava; quando sofria, não fazia ameaças, mas entregava-se
àquele que julga com justiça” (1Pe 2.23) [9].
“... sendo,
antes, sinagoga de Satanás”.
Os
judeus são claramente opositores da Igreja. Expressando-se desta forma João faz
uma distinção importante entre judaísmo interior e exterior. Estes “judeus” sem
dúvida são judeus por raça e por religião, que se reúnem na sinagoga para
adorar ao Senhor. Mas na verdade interiormente eles não são judeus, porque
rejeitaram Jesus, o Messias, e confirmavam esta rejeição perseguindo a igreja [10].
Os crentes de
Esmirna estavam sendo acusados de coisas graves. O diabo é o acusador. Ele é o
pai da mentira. Aqueles que usam a arma das acusações levianas são “Sinagoga de
Satanás”. Os judeus foram os principais inimigos da igreja no primeiro século.
Perseguiram a Paulo em Antioquia da Psídia (At 13.50), em Icônio (At 14.2-5). Em Listra Paulo foi
apedrejado (At 14.19), em
Corinto Paulo tomou a decisão de deixar os judeus e ir para
os gentios (At 18.6). Quando retornou para Jerusalém, os judeus o prenderam no
templo e quase o mataram. O livro de Atos termina com Paulo em Roma sendo
perseguido pelos judeus. Eles se consideravam o genuíno povo de Deus, os filhos
da promessa, a comunidade da aliança, mas rejeitaram o Messias e perseguiram a
Igreja de Deus. A religião deles foi satanizada. Tornou-se a religião do ódio,
da perseguição, da rejeição da verdade. Quem difama a Cristo ou O degrada
naqueles que O confessam promove a obra de Satanás e guerreiam as guerras de Satanás.
Os
crentes de Esmirna passaram a sofrer várias acusações levianas:
1)
Canibalismo -
por celebrarem a ceia com o pão e o vinho, símbolo do corpo e do sangue de
Cristo.
2)
Imoralidade –
por celebrarem a festa do Ágape antes da ceia, por causa do ósculo santo e da
ênfase que eles davam ao amor fraternal. Consequentemente eram acusados de
incesto e orgias sexuais.
3)
Divididores de
famílias – uma vez que as pessoas que se convertiam a Cristo deixavam suas
crenças vãs para servirem a Cristo.
4)
Ateísmo – por
não se dobrarem diante de imagem dos vários deuses.
5)
Deslealdade ao
governo – eles eram chamados de desleais e revolucionários, por se negarem
a dizer que César era o Senhor.
Os
judeus incrédulos tomaram o partido de Satanás, no conflito entre a igreja e o pagão
império romano. Alegremente ajudaram às autoridades romanas a esmagarem a
igreja. Aquele que ajudasse Roma, com razão era considerado debaixo da
influência satânica. Esses judeus passaram a cultuar a César para não perderem
os seus bens. Agora passaram a caçoar e falar mal dos cristãos que tinham
perdido tudo por permanecerem fiéis a Jesus. Por isso que o Senhor afirma que
esses não são judeus realmente, mas sim Sinagoga de Satanás. São agentes do
diabo. Podemos chamá-los de sádicos da fé
e da religião [11].
Notas:
1 Lawson, Steven J. As sete
igrejas do Apocalipse. Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 4º edição, 2004: p. 100.
2 Ibid, p.100.
3 Champlin, Ph. D., R. N. O
Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo. Ed. Candeia, São Paulo,
SP, 10º reimpressão, 1998: p. 395.
4 Barro, Jorge Henrique e
Proença, Wander de Lara. Uma Igreja Sem Propósitos, Ed. Mundo Cristão, São
Paulo, SP, 2004: p.157.
5 Lopes, Hernandes Dias.
Apocalipse, o futuro chegou. Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005: p. 79.
6 Hendriksen, Willian. Mais que
Vencedores, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2001: p.94.
7 Lopes, Hernandes Dias.
Apocalipse, o futuro chegou. Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005: p. 82.
8 Barro, Jorge Henrique e
Proença, Wander de Lara. Uma Igreja Sem Propósitos, Ed. Mundo Cristão, São Paulo,
SP, 2004: p.169.
9 Stott, John R. W. O que
Cristo pensa da Igreja. Ed.
United Press, Campinas, SP, 1999: p. 31.
10 Ladd, George. Apocalipse, introdução e
comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 4º
reimpressão, 1989: p. 35.
11 Barro, Jorge Henrique e
Proença, Wander de Lara. Uma Igreja Sem Propósitos, Ed. Mundo Cristão, São
Paulo, SP, 2004: p.169.
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