segunda-feira, 19 de agosto de 2013

"Conheço a tua tribulação, a tua pobreza (mas tu és rico)"



Por Pr. Silas Figueira

“Conheço a tua tribulação, a tua pobreza (mas tu és rico) e a blasfêmia dos que a si mesmos se declaram judeus e não são, sendo, antes, sinagoga de Satanás”. (Ap 2.9)

“Conheço a tua tribulação...”

No grego é usado o termo “Thlipsis”, que tem o sentido de pressão, opressão, literalmente, significa esmagar um objeto, comprimindo-o. Descreve a vítima sendo esmagada, e seu sangue extraído. Descreve pessoas sendo esmagadas até a morte por uma enorme pedra. Também descreve a dor de uma mulher ao dar à luz [1]. Thlipsis é derivado de “thlibo”, que tem o sentido de pressionar, pressionar junto. Aqui nesse texto a ideia é de perseguição devido ao ódio dos judeus e gentios contra a igreja.

Quando o Senhor disse: “Conheço a tua tribulação”, Ele está dizendo: “Sei exatamente o que está se passando. Já passei por isso. Sei como se sente. Sei como é ser falsamente acusado, molestado e cuspido. Sei o que é ser açoitado, escarnecido e morrer de maneira injusta. Sei o que está sofrendo, e valorizo grandemente a sua lealdade”.

Em Esmirna, os crentes eram dolorosamente esmagados sob as rígidas leis romanas. Muitos eram arrancados de suas casas, capturados nas feiras livres e levados cativos. César jogava toda a força de seu poderoso império sobre esta pequena igreja. E muitos desses santos já haviam selado seus testemunhos com o próprio sangue [2].     

“... a tua pobreza (mas tu és rico)...”

Aqueles crentes eram pobres, mas não porque não trabalhassem – sendo essa a causa mais comum da pobreza – mas devido às perseguições que sofriam. Suas propriedades foram confiscadas ou destruídas, e eles sofriam encarceramento. Foram reduzidos a nada, pela ira do imperador. A simples sobrevivência física tornou-se um problema, pela falta de alimento.

Em seu comentário sobre o Apocalipse, R.N. Champlin conta a história de certo homem chamado Nicodemos, cuja família possuía uma décima parte da indústria de estanho em Roma. Mas, tento a família abraçado o cristianismo, depois da ressurreição de Cristo, foi reduzida a uma pobreza extrema, e as filhas da família podiam ser vistas a revirar os monturos, atrás de detritos, para isso matar a fome. Por conseguinte, aprende-se, por exemplos como esses, que a piedade não é garantia da riqueza física [3].

Precisamos estar permanentemente advertidos de que o ter pode comprometer o ser. Quando Salomão passou a remunerar os profetas que trabalhavam em seu palácio, esses se calaram diante das injustiças e se esqueceram do povo. A Igreja primitiva não tinha posses nem mesmo templos para celebrar os cultos, porém foi capaz de abalar as estruturas do Império Romano com sua mensagem e testemunho de vidas [4].

Havia duas palavras para pobreza no grego: ptochéia e penia. A primeira é pobreza total, extrema. Era representada pela imagem de um mendigo agachado. Penia é o homem que carece do supérfluo, enquanto que ptochéia é o que não tem nem sequer o essencial. João usou a palavra ptochéia para descrever a pobreza dos esmirneanos. A pobreza dos crentes era um efeito colateral da tribulação. Ela vinha de algumas razões:

1) Os crentes eram procedentes das classes mais pobres e muitos deles eram escravos. Os primeiros cristãos sabiam o que era pobreza absoluta.

2) Os crentes eram saqueados e seus bens eram tomados pelos perseguidores. O autor de Hebreus nos dá uma ideia do que estava acontecendo naquela época aos cristãos de Roma e era um reflexo do que estava acontecendo em outras igrejas também, no caso aqui, em Esmirna:

“Lembrai-vos, porém, dos dias anteriores, em que, depois de iluminados, sustentastes grande luta e sofrimentos; ora expostos como em espetáculo, tanto de opróbrio quanto de tribulações, ora tornando-vos co-participantes com aqueles que desse modo foram tratados. Porque não somente vos compadecestes dos encarcerados, como também aceitastes com alegria o espólio dos vossos bens, tendo ciência de possuirdes vós mesmos patrimônio superior e durável”. (Hb 10.32-34).

3) Os crentes haviam renunciado aos métodos suspeitos e, por sua fidelidade a   Cristo, perderam os lucros fáceis que foram para as mãos de outros menos escrupulosos; ou judeus e pagãos podem ter-se negado a fazer negócios com eles [5].

“... mas tu és rico...”

A igreja de Esmirna era rica não em bens materiais, mas em riqueza espiritual. Isso pode ser comparado ao caso da igreja de Laodicéia, que era “rica” quanto às riquezas materiais, porém, inteiramente paupérrima quanto às riquezas espirituais.

O Senhor diz para os crentes de Esmirna que eles não deviam sentir piedade de si mesmos. Podiam parecer pobres, mas, na realidade, eram ricos, a saber, de bens espirituais, ricos da graça e de seus frutos [6].

Enquanto o mundo avalia os homens pelo ter, Jesus os avalia pelo ser. Importa ser rico para Deus. Importa ajuntar tesouros no céu. A igreja de Esmirna era pobre, mas era fiel. Era pobre, mas rica diante de Deus. Era pobre, mas possuía tudo e enriquecia a muitos [7].

Nós podemos ser ricos para com Deus, ricos na fé, ricos em boas obras. Podemos desfrutar das insondáveis riquezas de Cristo. À vista de Deus há tantos pobres homens ricos como ricos homens pobres. É melhor ser como a igreja de Esmirna, pobre materialmente e rica espiritualmente, do que como a igreja de Laodicéia, rica materialmente, mas pobre diante de Cristo.

Ensinar a igreja a ter um estilo de vida simples é ensinar à igreja o caminho da dependência de Deus, e não de coisas e de materiais. É também ensiná-la a ter os olhos e atitudes mais sensíveis para com os necessitados. A tirar os olhos de si mesma e passar a ver os outros. Só assim uma comunidade será rica. A riqueza e a prosperidade material não são sinônimos de riqueza espiritual. É possível uma igreja ser rica material e espiritualmente. Mas mesmo que uma comunidade seja materialmente abastada, precisará revelar os valores de Deus nessa área da vida. Nosso desafio é mostrar ao mundo que a piedade é grande fonte de lucro. Mostrar que somos uma comunidade rica em piedade e satisfeita com o que Deus nos tem proporcionado [8].

“... e a blasfêmia dos que a si mesmos se declaram judeus e não são...”

Em Esmirna, havia uma grande comunidade judaica que hostilizava fanaticamente o cristianismo. Esta comunidade judaica estava ajudando os romanos na perseguição contra a igreja de Esmirna espalhando falsos rumores sobre os cristãos. Os inimigos de Cristo estavam caluniando o Seu povo, “blasfemando” contra eles, por essa razão, esses judeus haviam perdido o direito de serem chamados de Israel de Deus. Eles eram judeus de raça, mas não eram filhos de Abraão na fé. O apóstolo Paulo escrevendo aos romanos diz: “Porque não é judeu quem o é apenas exteriormente...” (Rm 2.28a), e, “...porque nem todos os de Israel são, de fato, israelitas; nem por serem descendentes de Abraão são todos seus filhos; mas: em Isaque será chamada a sua descendência. Isto é, estes filhos de Deus não são propriamente os da carne, mas devem ser considerados como descendência os filhos da promessa”. (Rm 9.6-8). O apóstolo Paulo diz enfaticamente que somente os nascidos de novo, e isso independe de raça, são os verdadeiros israelitas; observe: “porém judeu é aquele que o é interiormente...” (Rm 2.29a). Em Gálatas 3.7 o apóstolo Paulo diz: “Sabei, pois, que os da fé é que são filhos de Abraão”, e em Gálatas 6.16 ele chama a Igreja Cristã de “Israel de Deus”. Podemos resumir tudo isso dizendo que, os verdadeiros judeus são aqueles que confiam em Cristo, os quais, por isso mesmo conquistaram legítimo direito de se chamarem judeus e de possuírem os seus privilégios espirituais. Como diz no Evangelho de João falando a respeito de Jesus: “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que creem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (Jo 1.12-13).

A maledicência exerce uma estranha fascinação sobre todos nós. Como diz o livro de Provérbios: “As palavras do maldizente são comida fina, que desce para o mais interior do ventre” (Pv 26.22). E os descrentes de Esmirna nutriam-se exatamente dessas suculentas iguarias. Mas os cristãos foram profundamente feridos por causa desse abuso. Era doloroso ser mal interpretado e difamado. Entretanto, não é de duvidar que eles seguiam os passos de seu humilde Mestre, de quem está escrito: “Quando insultado, não revidava; quando sofria, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga com justiça” (1Pe 2.23) [9].

“... sendo, antes, sinagoga de Satanás”.

Os judeus são claramente opositores da Igreja. Expressando-se desta forma João faz uma distinção importante entre judaísmo interior e exterior. Estes “judeus” sem dúvida são judeus por raça e por religião, que se reúnem na sinagoga para adorar ao Senhor. Mas na verdade interiormente eles não são judeus, porque rejeitaram Jesus, o Messias, e confirmavam esta rejeição perseguindo a igreja [10]. 

Os crentes de Esmirna estavam sendo acusados de coisas graves. O diabo é o acusador. Ele é o pai da mentira. Aqueles que usam a arma das acusações levianas são “Sinagoga de Satanás”. Os judeus foram os principais inimigos da igreja no primeiro século. Perseguiram a Paulo em Antioquia da Psídia (At 13.50), em Icônio (At 14.2-5). Em Listra Paulo foi apedrejado (At 14.19), em Corinto Paulo tomou a decisão de deixar os judeus e ir para os gentios (At 18.6). Quando retornou para Jerusalém, os judeus o prenderam no templo e quase o mataram. O livro de Atos termina com Paulo em Roma sendo perseguido pelos judeus. Eles se consideravam o genuíno povo de Deus, os filhos da promessa, a comunidade da aliança, mas rejeitaram o Messias e perseguiram a Igreja de Deus. A religião deles foi satanizada. Tornou-se a religião do ódio, da perseguição, da rejeição da verdade. Quem difama a Cristo ou O degrada naqueles que O confessam promove a obra de Satanás e guerreiam as guerras de Satanás.

Os crentes de Esmirna passaram a sofrer várias acusações levianas:

1)      Canibalismo - por celebrarem a ceia com o pão e o vinho, símbolo do corpo e do sangue de Cristo.
2)      Imoralidade – por celebrarem a festa do Ágape antes da ceia, por causa do ósculo santo e da ênfase que eles davam ao amor fraternal. Consequentemente eram acusados de incesto e orgias sexuais.
3)      Divididores de famílias – uma vez que as pessoas que se convertiam a Cristo deixavam suas crenças vãs para servirem a Cristo.
4)      Ateísmo – por não se dobrarem diante de imagem dos vários deuses.
5)     Deslealdade ao governo – eles eram chamados de desleais e revolucionários, por se negarem a dizer que César era o Senhor.


Os judeus incrédulos tomaram o partido de Satanás, no conflito entre a igreja e o pagão império romano. Alegremente ajudaram às autoridades romanas a esmagarem a igreja. Aquele que ajudasse Roma, com razão era considerado debaixo da influência satânica. Esses judeus passaram a cultuar a César para não perderem os seus bens. Agora passaram a caçoar e falar mal dos cristãos que tinham perdido tudo por permanecerem fiéis a Jesus. Por isso que o Senhor afirma que esses não são judeus realmente, mas sim Sinagoga de Satanás. São agentes do diabo. Podemos chamá-los de sádicos da fé e da religião [11].    

Notas:
1 Lawson, Steven J. As sete igrejas do Apocalipse. Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 4º edição, 2004: p. 100.
2 Ibid, p.100.
3 Champlin, Ph. D., R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo. Ed. Candeia, São Paulo, SP, 10º reimpressão, 1998: p. 395.
4 Barro, Jorge Henrique e Proença, Wander de Lara. Uma Igreja Sem Propósitos, Ed. Mundo Cristão, São Paulo, SP, 2004: p.157.
5 Lopes, Hernandes Dias. Apocalipse, o futuro chegou. Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005: p. 79.
6 Hendriksen, Willian. Mais que Vencedores, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2001: p.94.
7 Lopes, Hernandes Dias. Apocalipse, o futuro chegou. Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005: p. 82.
8 Barro, Jorge Henrique e Proença, Wander de Lara. Uma Igreja Sem Propósitos, Ed. Mundo Cristão, São Paulo, SP, 2004: p.169.
9 Stott, John R. W. O que Cristo pensa da Igreja. Ed. United Press, Campinas, SP, 1999: p. 31.
10  Ladd, George. Apocalipse, introdução e comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 4º reimpressão, 1989: p. 35.
11 Barro, Jorge Henrique e Proença, Wander de Lara. Uma Igreja Sem Propósitos, Ed. Mundo Cristão, São Paulo, SP, 2004: p.169. 

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