Por R. C. Sproul
Faço parte do que é conhecido como tradição presbiteriana reformada. A imagem cultural dos presbiterianos é a de eclesiásticos sérios e enfadonhos que fecham a cara diante do menor sinal de espontaneidade espiritual. Uma anedota ilustra esse ponto:
Um ser extra terrestre veio à (erra e visitou três igrejas. Uma delas era metodista, a segunda era batista, e a terceira era presbiteriana. Quando ele prestou contas a seus superiores, disse: "Quando eu visitei a igreja metodista, tudo que ouvi foi 'Fogo! Fogo!' Quando visitei a igreja batista, tudo que ouvi foi 'Agua! Agua!' E quando fui à igreja presbiteriana tudo que ouvi foi "Ordem! Ordem!"
Algumas vezes, parece que o único texto que os presbiterianos lêem em 1 Coríntios é: "Tudo, porém, seja feito com decência e ordem". Mas na vida eclesiástica deve haver mais do que simples ordem. Contudo, não podemos evitar o fato histórico que a igreja em Corinto vivia perturbada por um problema de desordem. Ao que tudo indica, a situação não foi retificada através dos es¬forços das epístolas de Paulo. Posteriormente foi enviada uma epístola a Corinto, por Clemente, bispo de Roma, que pleiteava com os Coríntios para lerem novamente e obedecerem às instruções paulinas.
Ao dirigir-se à caótica situação em Corinto, Paulo fez esta importante observação: Deus não é de confusão (1 Coríntios 14.33).
Essa declaração apostólica está sobrecarregada com implicações teológicas. Imaginamos o que Paulo teria em mente, quando estabeleceu esse princípio abrangente. Seu mandamento de que tudo fosse feito com decência e or¬dem, como é óbvio, repousava sobre o seguinte princí¬pio: a desordem, o caos, a desarmonia c a confusão são incoerentes com o caráter de Deus. Essas características são produzidas por criaturas humanas decaídas, e não pelo Criador.
Quando Paulo se referiu àquilo de que Deus é o autor e àquilo do que Deus não é o autor, provavelmente estava pensando sobre a maneira de Deus agir na criação original.
A história da criação, no primeiro capítulo do li¬vro de Gênesis enfoca a atenção sobre o triunfo de Deus sobre qualquer ameaça de caos ou confusão. No âmago mesmo dessas considerações encontramos o papel do Es¬pírito Santo na criação.
As linhas de abertura do livro de Gênesis registram estas palavras:No princípio criou Deus os céus e a terra. A terra, porém, era sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas (Gênesis 1.1,2).
O primeiro versículo de Gênesis revela o ato ini¬cial de Deus na criação do universo. A expressão "No princípio" deve ser entendida literalmente. Esse versículo declara o poder supremo de Deus fazendo o mundo exis¬tir a partir do nada (em Latim, ex-nihilo). Não se trata apenas da descrição de moldagem de matéria preexistente por parte de Deus. O que Deus fez foi produzir matéria do nada, uma ação que só ele pode realizar.
Quando nos referimos à criatividade de artistas e músicos com seus dons e talentos, estamos sendo, na melhor das hipóteses, analógicos. Nenhum ser humano tem poder para ser criativo no sentido em que Deus o é. Todas as pessoas criativas empregam algum meio exis-tente para exibir sua criatividade. Um artista criativo pode moldar coisas — palavras, notas musicais, tintas — de uma maneira nova e surpreendente, mas ele não trabalha ex-nihilo.
A palavra hebraica empregada em Gênesis para "criar" é bara, que o Antigo Testamento usa exclusiva-mente em referência a Deus e à sua atividade. Ela nunca descreve ações humanas.
No segundo versículo de Gênesis 1, encontramos uma passagem controvertida:
A terra, porém, era sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo.
O que faz esses versículos serem tão controverti-dos é a presença de três termos descritivos — sem forma, vazia e trevas. Que o leitor pense um momento sobre a importância dessas palavras. O que os conceitos de sem forma, vazio e trevas conjura em nossas mentes? Há algo de extremamente espantoso nessas palavras. Sentimo-nos ameaçados por essas qualidades.
Por causa do caráter espantoso desses termos, várias teorias têm sido propostas para explicar a presença deles.
Os eruditos críticos vêem nessas palavras a presença de elementos mitológicos na narrativa do livro de Gênesis. Muitos povos antigos viam a criação do mundo nos termos de um conflito cósmico entre as forças das trevas e as forças da luz. De conformidade com os mitos babilónicos, a criação teria resultado de um conflito pri¬mordial com o caos e com monstros marinhos.
Uma visão relativamente recente e largamente popular de Gênesis 1.2 é a chamada Teoria da Lacuna ou Hipótese da Restituição. De acordo com esse ponto-de-vista, somente o primeiro versículo do primeiro capítulo do Gênesis refere-se ao ato original da criação, por parte de Deus. O que se segue após esse primeiro versículo seria uma descrição da restauração remidora de Deus de um universo já decaído. Ou seja, haveria uma maciça lacuna de tempo entre o primeiro e o segundo versículos do livro de Gênesis — talvez bilhões de anos. Teria sido nesse tempo que ocorreu a queda de Lúcifer e de seus anjos, como também o despojamento do universo original.
Uma consideração basilar dentro dessa teoria é o verbo era, no segundo versículo. A maioria das traduções da Bíblia diz conforme lemos em nossa versão portugue¬sa: "A terra, porém, era sem forma e vazia". Os teóricos da lacuna têm observado que o verbo hebraico correspon¬dente pode ser linguisticamente traduzido pela palavra portuguesa tornou-se. Por isso mesmo, traduzem o texto da seguinte maneira: A terra tornou-se sem forma e vazia.
De acordo com essa tradução, o segundo versículo do Gênesis descreve a desintegração do universo, transformando-o em um caos, em resultado do pecado.
A teoria da lacuna é atrativa para muitos porque oferece uma explicação viável para a presença dos termos ameaçadores sem forma, vazio e trevas. E também oferece uma via de escape para aqueles que estão convencidos de que o livro de Gênesis reflete uma situação de vida de origem relativamente recente, em oposição às teorias científicas e evidências de que o universo tem bilhões de anos de antigüidade, e que o homem tem, pelo menos, milhões de anos desde que foi criado.
A tensão entre a ciência c a religião foi intensificada pela tentativa do arcebispo Ussher em datar a criação. Trabalhando matematicamente a partir das genealogias apresentadas na Bíblia, Ussher, um bispo irlandês que viveu no século XVII, calculou que a criação do mundo ocorreu em 4004 a.C. (já vi edições da Bíblia que têm impressa essa data no alto da primeira página do livro de Gênesis).
A despeito do fato que a Bíblia não oferece nem uma data específica e nem uma data aproximada da cria¬ção, multidões de crentes têm sido educados no ensino de que o inundo foi criado em 4004 a.C. Para defender essa tese contra os assaltos da ciência moderna, eles têm saltado para o carro da propaganda política da teoria da lacuna.
Não estou convencido da verdade da teoria da lacuna. Ela apresenta algumas fraquezas sérias. Em primeiro lugar, embora seja possível que o verbo hebraico em questão seja traduzido por tornou-se, em lugar de era, o uso preponderante do verbo, no Antigo Testamento, favorece sempre o sentido de era. Em segundo lugar, essa teoria cheira a um artifício nascido de uma disputa com a ciência que, em minha opinião, não seria necessá¬ria à parte de especulações como a de Ussher. Finalmen¬te, não posso acreditar que o livro de Gênesis tenha devotado somente um versículo ao ato crucial da criação original, para então, abruptamente, sem qualquer aviso ou explicação, saltar por milhões ou mesmo bilhões de anos, sem mencioná-los sequer uma vez. Em outras palavras, o sentido claro dos versículos iniciais do Gênesis indicam uma seqüência unida de eventos que estão vinculados entre si.
Favoreço a interpretação dos versículos de abertura do livro de Gênesis como uma descrição dos estágios da criação, mediante os quais os elementos do segundo versículo descrevem a criação, quando ainda desordenada e sem cumprimento. Isso descreve as condições da terra em seus estágios iniciais, antes de haver atingido seu estágio final.
Sem importar como compreendamos a primeira parte do segundo versículo, ainda assim nos restam estas perguntas: Como Deus realizou sua obra de criação? Qual foi o papel do Espírito Santo?
O único indício que obtemos, acerca do como da criação se acha no versículo terceiro: Disse Deus: Haja luz; e houve luz.
O poder da criação acha-se no poder do mandato de Deus. Muitos séculos atrás, Agostinho escreveu sobre a criação. Ele declarou que a origem do poder criativo de Deus encontra-se no "imperativo divino". Ele também descreveu a criação como uma "criação fiat". O termo fiat vem da forma imperativa do verbo latino. Deus criou o mundo com a pura força de seu comando. Ele falou no imperativo: "Haja!" — e houve.
É isso que distingue o poder criativo de Deus de toda criatividade das criaturas. Nenhum artista pode pin¬tar uma obra prima falando apenas à tela para que a obra seja pintada, e nem pode ele fazer a tela e as tintas virem do nada. Nenhum compositor pode criar uma sinfonia simplesmente gritando para os instrumentos músicos de madeira e de metal.
Como foi que Jesus ressuscitou Lázaro dos mortos? Ele não entrou no túmulo de Lázaro para administrar-lhe técnicas de ressuscitação. Ele ficou a certa distância e chamou Lázaro de volta à vida. Jesus proferiu uma ordem — um imperativo divino — "Lázaro, vem para fora!" Diante do som da voz de Jesus, ondas cerebrais foram ativadas no crânio de Lázaro. Seu coração começou a pulsar e o sangue começou a fluir de novo em suas veias. O cadáver, frio e inerte, começou a agitar-se, e Lázaro rompeu as cordas da morte. Tudo isso pela ordem pura do Deus em carne.Mãos e pés não foram necessários por Deus em sua obra de criação. Não houve necessidade de instrumentos . Ele poderia fazer o mundo movimentar-se sem o uso da alavanca de Arquimedes. Sua voz foi suficiente. Deus falou, e o que ele falou teve lugar. Algo explodiu a partir do nada.
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