sábado, 9 de maio de 2020

UMA MENSAGEM DURA, MAS NECESSÁRIA



Por Pr. Silas Figueira

Texto base: Lucas 3.7-14


A mensagem de João não era uma mensagem evangelística como conhecemos hoje. Geralmente as mensagens ditas evangelísticas hoje costumam se falar assim: “Há um Deus apaixonado por você, que se importa com o que você está sentindo, sofrendo e vivendo. Ele entende a linguagem do seu sofrimento, e Ele é profundamente apaixonado por você!”. No entanto, não foram essas palavras que as pessoas que foram até ao deserto ouviram de João Batista. William Barclay disse que a mensagem de João “não se tratava de boas novas; eram novas de terror”. Porque “essas novas” que estava sendo anunciada denunciava o pecado do povo.

É interessante destacar que João passou a vida no deserto, então não podíamos esperar outra forma de se expressar se não daquilo que ele vivenciou ali. Ele conviveu com cobras, escorpiões, aridez, sol escaldante. Por isso que ele chamou as pessoas que iam até o deserto para vê-lo batizar de “raça de víboras”. Por exemplo, Amós que era um criador de ovelhas e colhedor de figos silvestres, chamou as mulheres de Samaria de “vacas de basã” (Os 4.1), era a linguagem que ele estava acostumado a usar. Essa expressão raça de víboras era uma dura crítica ao pecado que havia se instalado em Israel em sua época. Por isso que em qualquer lugar que João visse o mal, fosse no Estado, na templo, na multidão, intrépidamente ele o denunciava. João era como uma luz acesa em meio a uma total escuridão que havia se instalado em todo o Israel, era como um vento de Deus que varria todo o país.

O relato de Lucas coincide quase textualmente com Mt 3.7-10. Mas, ao contrário de Mateus, Lucas nada diz sobre o grande afluxo de pessoas, particularmente da parte dos fariseus e saduceus, ao batismo de João. Lucas também não diz nada sobre o batismo em si, nem tampouco sobre o alimento e a vestimenta de João (cf. Mc 1.5s; Mt 3.7). Mateus dirige as palavras de arrependimento também aos fariseus e saduceus. De acordo com Lucas, essas palavras de arrependimento, no entanto, são dirigidas ao povo. Marcos aponta mais para aqueles que vinham de Jerusalém. – Ainda que em Lucas as camadas dirigentes, a saber, os fariseus e saduceus, não sejam citados, o espírito predominante da época em todo o povo não deixa de ser criticado com palavras duras.

Quais as lições que podemos aprender com esse texto?

1 – O CHAMADO AO ARREPENDIMENTO É UNIVERSAL (Lc 3.7).

Observe que o sermão de João é dirigido a todos que iam até onde ele se encontrava. João não foi muito polido, podemos dize assim, na forma de ministrar o seu sermão. Ele, tomado pelo Espírito Santo, não pregou para agradar seus ouvintes, mas para feri-los com a espada do Espírito Santo e levá-los ao arrependimento. Ele trouxe uma palavra dura, para um povo de dura cerviz, ou seja, que não dobrava a “nuca” ou o pescoço em reverência ou em submissão a vontade de Deus (At 7.51). Afinal, eles eram o povo da aliança, no entanto a haviam abandonado!

Podemos destacar três coisas aqui:

1o – O sermão de João denuncia a hipocrisia do povo e dos religiosos (Lc 3.7; Mt 3.7). Quando João Batista desmascarou o coração de todo o povo, principalmente dos fariseus e saduceus, com a expressão “raça de víboras”, isso incidiu com impacto no âmago da hipocrisia e do fingimento farisaicos (Mt 5.17 e Mt 23), pois isso abalou as estruturas religiosas de sua época. A nação como um todo se via como povo escolhido de Deus, no entanto, a vida que estavam levando não condizia com o que eles diziam ser. Essa foi a hipocrisia denunciada.

Esta mesma denúncia Jesus fez posteriormente aos líderes religiosos em João 8.41,44: “Vós fazeis as obras de vosso pai. Disseram-lhe, pois: Nós não somos nascidos de fornicação; temos um Pai, que é Deus. [Disse Jesus] Vós tendes por pai ao diabo e quereis satisfazer os desejos de vosso pai; ele foi homicida desde o princípio e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele; quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira”.

Jesus aqui está se referindo a Satanás que havia enganado Eva com suas mentiras (Gn 3.1-5; 2Co 11.3; Ap 12.9). Por isso João os chama de “raça de víboras”, pois era exatamente assim que eles eram. Entenda uma coisa, na condição de profeta, João denunciava o estado espiritual do povo que ia até ele dentro da visão que Deus tinha. Ele falava o que Deus via. João revela que o veneno que eles carregavam era pior que o veneno da serpente, pois o veneno da serpente foi o próprio Deus quem nelas colocou, mas o veneno da hipocrisia que eles carregavam no coração fora neles colocado pelo diabo.

Os fariseus = os separados, eram os piedosos praticantes do judaísmo. Seu agir inicialmente era excelente e visava erguer o povo humilhado como nação e observar rigorosamente a lei. Posteriormente sua influência tornou-se perniciosa. Não se satisfaziam em cumprir a lei mosaica (Torá), mas também consideravam como compromissiva para a vida e o comportamento a tradição dos pais, os artigos dos anciãos, pelos quais a lei mosaica foi interpretada e ampliada. No tempo Jesus contavam 248 mandamentos e 365 proibições. Com temerosa preocupação cuidavam do cumprimento de todas as determinações da lei cerimonial e eram extremamente meticulosos na prática de obrigações religiosas exteriores (jejuar, lavar-se, orar, dar esmolas, pagar o dízimo e santificar o sábado).

Os saduceus = os justos, derivavam seu nome do rabino Sadoque. Ao contrário dos israelitas ortodoxos, eles eram os livres-pensadores incrédulos, que negavam a doutrina da existência dos anjos, a imortalidade, a ressurreição e o juízo, bem como qualquer influência do regimento universal de Deus sobre as ações das pessoas.

Eram esses líderes que iam até João para verem o seu batismo e, com certeza, criticá-lo.

2o – O sermão de João denuncia a realidade do inferno (Lc 3.7,9). Mais uma vez João usa de uma figura de linguagem. Era muito comum no deserto quando a relva seca pegava fogo os animais que nela se escondiam fugirem de suas tocas para salvar suas vidas se não morreriam queimadas. E dentre muitos animais estavam as serpentes. Jesus usou esta mesma figura de linguagem para se referir aos fariseus e aos saduceus em Mateus 23.33: “Serpentes, raça de víboras! como escapareis da condenação do inferno?”.

João não evitou falar de temas graves como a ira vindoura. É melhor escutar sobre o inferno do que ir para lá. É melhor exortar as pessoas a fugirem da ira vindoura do que acalmá-las com o anestésico da mentira, mantendo-as no caminho da perdição. Você já se perguntou do que Deus lhe salvou? A resposta é simples, talvez você diga: “Ele me salvou dos meus pecados”. “Não. Ele lhe salvou dEle”. Ele lhe salvou da Sua ira. Veja o que nos fala Paulo em Efésios 2.1-3:

E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência; entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também”.

3o – A religiosidade não leva ninguém para o céu (Lc 3.8). O que nos salva da ira divina é reconhecimento de que somos pecadores e recebermos Jesus como nosso Salvador pessoal. Isso se chama arrependimento. Mas para os judeus que iam até João e rejeitavam o seu batismo ele mostrava que a religiosidade deles não os impediam de ir para o inferno. Por eles descenderem de Abraão não os tornava melhores que os gentios, aliás, os tornava piores, pois eles conheciam a lei e os gentios não. Os filhos de Abraão são os que tem Jesus como seu salvador pessoal.

A Bíblia é muito clara em relação a esta doutrina. Veja o que Paulo nos diz em Romanos 4.16,17:

Portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda a posteridade, não somente à que é da lei, mas também à que é da fé que teve Abraão, o qual é pai de todos nós, (Como está escrito: Por pai de muitas nações te constituí) perante aquele no qual creu, a saber, Deus, o qual vivifica os mortos, e chama as coisas que não são como se já fossem”.

O mesmo nos é apresentado em Gálatas 3.7-9,29:

Sabei, pois, que os que são da fé são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti. De sorte que os que são da fé são benditos com o crente Abraão. E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão, e herdeiros conforme a promessa”.

No Evangelho de João 3.11-13 encontramos o mesmo princípio:

Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que creem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”.

2 – O CHAMADO AO ARREPENDIMENTO TEM QUE GERAR FRUTOS (Lc 3.8,10-14).

João agora mostra que há uma forma de salvação. Ela ocorre com a conversão e fruto dessa conversão. O arrependimento tem que ser demonstrado através de uma nova vida. Através de atos de bondade não só de palavras.

1o – A palavra “arrependimento” no grego é “metanoia”. O que significa essa palavra no grego secular? Indica a mudança do pensamento, precisamente no sentido de que intelectualmente mudei minha opinião sobre um ou outro assunto. No Novo Testamento a palavra metanoia, por sua vez, não significa mudar a opinião sobre algo qualquer (talvez sobre algumas coisas), mas estende-se sobre a opinião toda e o pensamento todo da pessoa. Quer dizer uma mudança radical de coração.

A metanoia (meia-volta, conversão). A conversão é ato de Deus ou da pessoa? Citemos o seguinte aspecto: A pessoa não pode converter-se a si própria, mas pode deixar-se converter! – Nosso sim a ele, a nosso Senhor, origina-se unicamente do sim de Deus por nós. Nosso não, porém, é unicamente a nossa culpa!

Usando uma ilustração: Quando se joga uma boia salva-vidas a uma pessoa que está se afogando e ela a segura, e de fato a agarra firmemente com toda a sua energia – a pessoa assim resgatada não pode dizer: Eu me salvei, mas terá de dizer: Eu fui resgatada. Da mesma forma, a pessoa salva terá de reconhecer: Se eu não tivesse agarrado com toda a seriedade aquela boia, eu sozinho seria culpado da minha morte nas ondas. Assim, ter sido salvo é um presente. Afogar-se, porém, é culpa!
Conversão não é produto do esforço, mas dádiva! Perder-se, no entanto, é culpa, culpa própria, cem por cento!

2o – João diz que o arrependimento tem que vir acompanhado de frutos (Lc 3.8-14). Um dos melhores exemplos que encontramos na Bíblia a esse respeito é a conversão de Zaqueu. Ele não só se converteu como tentou reparar os erros do passado. Essa é a conversão que João Batista está pregando aqui.

É o que Tiago diz quando aborda em sua carta que a fé sem as obras é morta (Tg 2.14-18). A fé tem que vir acompanhada de testemunho de vida e não só de palavras. Paulo fala a mesma coisa em Efésios 4.28: “Aquele que furtava, não furte mais; antes trabalhe, fazendo com as mãos o que é bom, para que tenha o que repartir com o que tiver necessidade”.

O arrependimento tira o egoísmo do coração do homem. É o resumo da lei: “amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo” (Mt 22.37-39).

3 – A SECULARIDADE DA VIDA É CULTO A DEUS (Lc 3.10-14).

Muitas pessoas pensam que culto é o momento que passamos juntos para adorar a Deus, mas, na verdade, o culto é vida que levamos. Estamos em culto em tudo que fazemos de forma honesta. Veja o que o Senhor Jesus nos diz em Mateus 5.16: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus”. Deus será glorificado em nossas vidas lá fora, na nossa vida secular. Deus é glorificado em nosso testemunho diário em um mundo em trevas.

João mostra que a vida é um culto e ele se revela nas nossas atitudes.

1o – João fala de um Evangelho social (Lc 3.10,11). João diz que não devemos ser egoístas, mas compartilhar nossos bens com os que estão passando por necessidade, pois Deus nunca absolverá ao homem que se contente tendo muito enquanto outros têm pouco (Pv 19.17; Lc 6.38; Rm 12.19-21; Tg 2.14-16; 1Jo 3.17,18).

2o – João fala de um Evangelho de gente honesta (Lc 3.12-14). Ordenava aos homens não deixarem seus trabalhos, e sim trabalhar com honestidade, fazendo seu trabalho como devia ser feito. Que o coletor de impostos seja um bom funcionário, que um soldado seja um bom defensor. O dever do homem era servir a Deus onde Ele o tinha posto. João estava convencido de que em nenhuma parte se pode servir a Deus melhor que no trabalho diário. O nosso culto é prestado a Deus lá fora no mundo.

Como nos fala o autor de Hebreus 13.12,13: “E por isso também Jesus, para santificar o povo pelo seu próprio sangue, padeceu fora da porta. Saiamos, pois, a ele fora do arraial, levando o seu vitupério”.

O culto a Deus não começa aqui dentro, começa lá fora. Na minha vida secular, no meu relacionamento em meu lar, na escola, na faculdade, no trabalho, no laser. A fé cristã não se limita o estar dentro da igreja, nas manifestações de adoração que exercemos quando nos reunimos para culto. Por exemplo, o louvor não começa quando eu me reúno para o culto, na verdade o louvor não começa, ele é uma continuidade lá de fora. Pois louvor é vida! A adoração dentro da igreja só é legitimado quando manifesto no meu dia a dia lá fora. No secular. Pois ele é uma extensão do que eu fiz do lado de fora do portão.

CONCLUSÃO

A mensagem de João Batista foi uma mensagem dura, mas necessária. Ela foi um alerta para as multidões que iam até ele para serem batizadas. João chamou a atenção para a hipocrisia que estava sendo a religião que estavam praticando. Era uma religião descompromissada com Deus, havia sacrifício de animais, mas não sacrifício de vida. Havia culto, mas não havia adoração verdadeira. O povo era o reflexo dos líderes religiosos da época. Foi contra essa hipocrisia que João criticou de forma tão veemente. João estava preparando o coração do povo para a vinda do Messias. João deixou claro que o Messias tinha o seu machado na mão e cortaria toda árvore que não estivesse dando bom fruto.

Hoje, assim como nos dias de João, devemos entender que a nossa religião deve der pautada numa fé demonstrada na vida fora da igreja e refletida dentro dela. Que a adoração é vivida na vida secular, onde Deus será exaltado através do nosso viver diário. Como nos fala um antigo hino: “Se eu tiver Jesus ao lado e por Ele auxiliado, se por Ele for mandado, aonde quer que for irei”. E onde estivermos, ali será lugar de culto e adoração, pois Deus se faz presente em nossas vidas.

Pense nisso!

Bibliografia:

1 – Barclay, William. Comentário do Novo Testamento, Mateus.

2 – Barclay, William. Comentário do Novo Testamento, Lucas.

2 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, volume 2, Lucas e João. Editora Candeia, São Paulo, SP, 1995.

3 – Davidson, F. O Novo Comentário da Bíblia, volume 2. Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1987.

4 – Keener, Craig S. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia, Novo Testamento. Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 2017.

5 – Lopes, Hernandes Dias. Mateus, Jesus, Rei dos reis. Comentário Expositivo Hagnos. Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2019.

6 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus, o homem perfeito. Comentário Expositivo Hagnos. Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017.

7 – MacArthur, John. Comentário Bíblico. Editora Thomas Nelson, Rio de Janeiro, RJ, 2019.

8 – Manual Bíblico SBB. Barueri, SP, 3a edição, 2018.

9 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário. Edições Vida Nova e Mundo Cristão, São Paulo, SP, 1986.

10 – Rienecker, Fritz. Evangelho de Mateus, Comentário Esperança. Editora Esperança, Curitiba, PR, 2017.

11 – Rienecker, Fritz. Evangelho de Lucas, Comentário Esperança. Editora Esperança, Curitiba, PR, 2005.

12 – Tasker, R. V. G. Mateus, Introdução e Comentário. Edições Vida Nova e Mundo Cristão, São Paulo, SP, 1980.

Nenhum comentário:

Postar um comentário