domingo, 26 de fevereiro de 2017

Verdades e equívocos quanto ao pecado


Por Alex Belmonte

É muito importante que primeiro tenhamos uma compreensão adequada quanto ao significado do termo “pecado”, visto que muitos erros modernos a respeito dessa palavra têm causado sérios danos ás demais disciplinas da teologia. O falso entendimento acerca do pecado e de seus efeitos na vida do homem, podem com toda certeza afetar todo um contexto de vivência cristã e relacionamento espiritual com Deus, e isso podemos ver em algumas denominações evangélicas, onde a Igreja é vista como uma instituição mais para escravidão do que para libertação. 

O que é pecado?

1.1. No dicionário da língua portuguesa. De acordo com a definição do dicionarista Aurélio Buarque de Holanda (1910-1989), a palavra pecado vem do latim peccatu e significa “transgressão de preceito religioso, falta, erro, culpa, vício”. A famosa Grande Enciclopédia Larousse descreve pecado como “Transgressão consciente e voluntária da lei divina. Falta contra quaisquer regras ou normas. Estado que resulta para o pecador em consequência de falta cometida” (Grande Enciclopédia Delta Larousse, p. 5.189 – Ed. Delta, 1976).

1.2. Em algumas Confissões. Segundo o Breve Catecismo de Westminster (entre 1643 e 1649), “Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei de Deus, ou qualquer transgressão desta lei”. A Confissão Belga de 1561 declara que “pecado é uma depravação de toda a natureza humana e um mal hereditário, com que até as crianças no ventre de suas mães estão contaminadas”. (Nas próximas páginas exporemos outras Confissões de Fé importantes).

1.3. Na língua hebraica – Encontramos as seguintes palavras para pecado no hebraico: חטא(chata), que quer dizer “errar o alvo” (Êx. 20.20); עון ̀(avon) ou עוון ̀(avown) “depravação, iniquidade, culpa ou punição por iniquidade, agir com perversidade” (Is. 53.6); פשע (pesha), “revoltado” (Is. 1.2); פשע (pasha)“rebelar, transgredir, revoltar” (Js 7.1);

1.4. Na língua grega – Os termos bíblicos usados para pecado são: αμαρτια (hamartia), que significa “ato pecaminoso, pecaminosidade” (At. 3.19); παραβασις (parabasis) “transgressão, quebra de uma lei definida, passo em falso” (Ef.2.1); ανομια (anomia), “ilegalidade, transgressão, pecado como estado mental, ato ilegal” (Mt. 13.41); παραβαινω (parabaino), “ultrapassar, negligenciar, violar, transgredir, passar tanto a ponto de desviar-se de”; eανομος (anomos) “destituído da lei (mosaica), em referência aos gentios, que se desvia da lei, que desrespeita lei, ilegal, malvado, sem a lei, sem o conhecimento da lei, pecar em ignorância da lei Mosaica”.

Dentro das exposições a partir das línguas originais podemos então definir que “Pecado é transgredir, ou ir contrário à Lei de Deus. Não é somente alguma coisa contrária ao que Deus disse que o homem não deveria fazer, mas é também algo contrário ao que Deus não quer que o homem faça, com base nos princípios revelados. O pecado é tudo que é contrário ao caráter de Deus”.

Verdades e Equívocos

O assunto acerca do pecado, seus efeitos e sua natureza criou muitos erros interpretativos e equívocos teológicos. As diversas teorias filosóficas a respeito do pecado e do mal nem sempre trazem argumentos dentro da visão bíblica. Entre essas filosofias exporemos a ideia do “dualismo”, do pecado como “ilusão” ou “egoísmo”, do pecado como falta de consciência de Deus e outros. Trabalharemos também o tema acerca da existência do mal, com os mais conhecidos argumentos. Mas antes, um dos assuntos que mais trouxe debates entre os crentes, será nossa primeira abordagem: A Blasfêmia contra o Espírito Santo. Entre os principais questionamentos buscaremos responder as seguintes perguntas: O que é realmente o pecado da blasfêmia contra o Espírito Santo? Em que ocasião o assunto foi exposto por Cristo? O servo de Deus pode cometer a blasfêmia contra o Espírito Santo? Por que esse pecado não oferece o perdão?

2.1. Pecados contra o Espírito Santo

O Espírito Santo tem um ministério especial de operar nos corações dos homens fazendo com que eles recebam os benefícios salvadores do trabalho de Cristo. Ele habita nos crentes e está presente na Igreja de Cristo, levando-a a marchar rumo as mansões celestiais. A Bíblia menciona certos pecados que são cometidos contra Ele, e entre esses graves erros está a blasfêmia. Os pecados mencionados na Bíblia são:

a) Mentir ao Espírito Santo. Em Atos 4, temos a história de Ananias e Safira que mentem para o Espírito Santo. O pecado que eles cometeram não foi devido a retenção de parte do dinheiro, mas a pretensão de dizerem que haviam dado tudo, de forma que recebessem honra por um sacrifício que não fizeram. Levando a cabo o seu pecado Ananias e Safira estavam tentando a Deus (Atos 5.9), e o seu destino é uma advertência para os que seguiriam os seus passos.

b) Entristecer o Espírito Santo. Em Efésios 4.30 Paulo nos instrui para que não entristeçamos o Espírito Santo de Deus. O fato de o Espírito poder ser entristecido implica em Ele amar o povo de Deus. Nós podemos entristecer somente aquele cujo amor e generosidade nós desprezamos.

Esta visão do amor do Espírito é usada por Paulo como um motivo para não O entristecermos. O fato dEle nos selar revela o Seu amor e faz com que Ele habite em nós, ajudando-nos e abençoando-nos. O Espírito Santo é entristecido através do pecado na vida dos crentes. Nossos corpos são o Seu templo e nós deveríamos estar alertas para não nos sujarmos. Ele é perfeitamente santo e o pecado ofende a Sua pessoa. São mencionados modos particulares pelos quais o Espírito pode ser entristecido no contexto de Efésios 4.30.

c) Extinguir o Espírito Santo. Na 1ª carta de Paulo aos Tessalonicenses 5.19, nós somos advertidos contra extinguirmos o Espírito. Isso um crente pode fazer durante um certo tempo endurecendo o seu coração contra a liderança do Espírito. Devemos estar prevenidos para não abafarmos a voz do Espírito de Deus. Alguns modos pelos quais o Espírito é extinguido são os seguintes: A) Rebelar-se contra a Palavra inspirada de Deus como é registrada na Bíblia ou a palavra cedida de forma oral pelos profetas (I Tessalonicenses 5.20); B) Abafando as repreensões do Espírito quando nós O entristecemos; C) Resistindo à liderança interna do Espírito em nossas vidas.

d) Resistir ao Espírito Santo. Em Atos 7.51, Estevão acusou os judeus por resistirem o Espírito Santo como fizeram os seus pais (Hebreus 3.7-10, e Isaías 63.10). Em Gênesis 6.3, Deus fala do Espírito contendendo com as pessoas antes do dilúvio. A rebelião contra a palavra de Deus causa resistência ao Espírito Santo

2.2. A Blasfêmia contra o Espírito Santo

“Portanto, eu vos digo: Toda forma de pecado e blasfêmia se perdoará aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada aos homens. E, se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no futuro.” (Mateus 12.31-32)

A existência de um pecado imperdoável tem mexido com a mente dos cristãos em todo mundo em todos os séculos do cristianismo. Podemos observar no contexto apresentado pelo evangelista, que a advertência de Jesus dirige-se contra os que rejeitam sua mensagem ao chamá-la de satânica. No entanto, vemos que, se há preocupação, pelo fato de que algo possa eliminar o ato do perdão de Cristo é, ironicamente, evidência de que o homem crê em Cristo e que o mesmo foi enviado por Deus, e constitui, assim, prova de que tal pessoa não cometeu o pecado contra o qual o Senhor adverte.

I. O Termo grego. Uma das palavras gregas para blasfêmia é Λοιδορια “loidoria” que significa insulto, injúria, ultraje. Já o termo “blasfemía” é o mais usado no grego bíblico, mas também com o mesmo significado e sentido. No contexto do Antigo Testamento uma blasfêmia era algo muito grave entre os judeus. Para os sábios da época a blasfêmia mui grave estava relacionada a uma afronta á natureza, ao nome de Deus e á sua obra. Especialmente no grego da Septuaginta, palavras como blasphemia e blasfemeos trazem, com poucas ex­ceções, o sentido de atos contrários à majestade de Deus. Quando ligadas ao mundo religioso, considera-se “blas­fêmia” várias atitudes contra Deus e o que é santo. No contexto geral bíblico vemos algumas descrições acerca de blasfêmia nos seguintes textos:

a) Fazer uso do nome santo de Deus em vão em algo contrário a sua vontade. Por exemplo, o terceiro manda­mento traz em si este princípio, embora não seja estabelecida a pena, como em outros casos registrados na Bíblia. Entretanto, existe a proibição: “Não tomarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão: porque o Senhor não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão” (Êx20.7).

b) Falar contra o nome santo de Deus, amaldiçoando-o (Lv. 24.10-11). E julgar-se igual a Deus. Por causa desta concepção os judeus acusaram Jesus: “Não te apedrejamos por alguma obra boa, mas pela blasfêmia, porque sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo” (Jo. 10.33).

c) Falar contra o Templo e contra a Lei também era considerado blasfêmia pelos judeus (At. 8.13). Falar contra o Céu e contra aqueles que nele habitam (Ap. 13.6).

d) Outros atos abusivos eram considerados blasfemos, tais como: falar contra Moisés (At. 8.11); contradizer a verdade de Deus (At. 13.45); falar contra a palavra de Deus (Tt. 2.5); proferir mentiras blasfemas (Ap. 2.9).

2.3. Equívoco interpretativo. O entendimento radicalizado dos judeus quanto á blasfêmia levou-os á um grande equívoco quanto ao nome do Senhor. Ao que tudo indica, durante o primeiro e o segundo séculos d.C, desenvolveu-se entre os judeus uma superstição contra o uso do nome de Deus por medo da blasfêmia contra o Eterno. Para alguns historiadores essa superstição passou a existir desde o cativeiro babilônico. A Jewish Encyclopaedia diz: “As pessoas passaram a evitar pronunciar o nome YHWH… devido a um mal-entendido em relação ao Terceiro Mandamento”. O terceiro dos Dez Mandamentos dado aos israelitas por Deus declara: “Não deves tomar o nome de Yahweh, teu Deus, dum modo fútil, pois Yahweh não deixará impune aquele que tomar seu nome dum modo fútil.” (Êxodo 20.7).

Assim, o decreto de Deus contra o uso impróprio do Seu Nome foi distorcido e transformado numa superstição. A Mishinah declara que “quem pronunciar o nome divino conforme é escrito” não terá parte no futuro Paraíso terrestre prometido por Deus. Segundo algumas fontes, esse medo da blasfêmia surgiu devido até mesmo na escrita, onde levou os judeus, com a preocupação de que o documento no qual o Nome estivesse escrito pudesse acabar no lixo, a “dessacralizar” o nome divino. Seja como for, a blasfêmia era temida.

Flávio Josefo (37-103), escritor e historiador judeu descendente de família sacerdotal, ao narrar a revelação que Deus forneceu a Moisés no local da sarça ardente, diz: “Então, Deus lhe revelou Seu nome, que antes disso não tinha chegado aos ouvidos dos homens, e sobre o qual estou proibido de falar.” (Jewish Antiquities [Antiguidades Judaicas], II, 276 [xii, 4] Publicado no Brasil como História dos Hebreus)

A abordagem de Jesus

A declaração apresentada por Jesus neste episódio distingue a blasfêmia contra o Espírito Santo de todos os outros tipos de pecados que um ser humano pode cometer. É preciso, no entanto, apresentar ao leitor um dado a muito conhecido pelos teóricos do Novo Testamento com relação as expressões usadas neste período. A tradução Versão Autorizada Inglesa (King James) traduz a expressão passa hamartia por “toda forma de pecado”. O sentido da expressão equivale a “toda outra espécie de pecado”, sendo assim já se torna claro que a blasfêmia contra o Espírito Santo não está inclusa nesta expressão. As traduções de João Ferreira de Almeida, Edição Revista e Atualizada no Brasil (sociedade Bíblica do Brasil) e revista e corrigida, traduzindo literalmente do grego, todo pecado, obscurecem o sentido mais amplo. O estudioso Wilson R. Cardoso em sua abordagem expondo as várias interpretações sobre o que realmente é blasfemar contra o Espírito Santo declara que, mesmo que as opiniões sejam expressivamente divergentes, é possível encontrar o verdadeiro significado da abordagem de Cristo, usando todos os relatos nos evangelhos, dentro do contexto:

Todos parecem saber que esse delito é imperdoável, porém as opiniões se divergem amplamente quanto ao que ele realmente pode ser. Alguns afirmam ser o suicídio, outros o adultério. Também há quem diga ser a rejeição do evangelho depois da vinda do Espírito Santo no dia de Pentecostes. Poucos se detêm a examinar o contexto das referências à blasfêmia contra o Espírito Santo, como acontece na maioria dos casos dos assuntos aparentemente divergentes na Bíblia. A análise cuidadosa do texto elucida alguns pontos aos quais devemos atentar. Os textos relevantes são encontrados nos três primeiros evangelhos chamados evangelhos sinóticos (que devem ser vistos em conjunto). (CARDOSO, Wilson R., artigo livre)

Na história da Igreja, muitos estudiosos emitiram sua opinião sobre o assunto: Para Irineu, Blasfêmia contra o Espírito Santo seria a rejeição do evangelho; Atanásio acreditava ser a negação da divindade de Cristo, a qual teve sua evidencia ao homem pela concepção do Espírito Santo; Para Orígenes, toda a quebra da lei após o batismo e, Agostinho – a dureza do coração humano rejeitando a obra de Cristo

I. Quando e por que Jesus abordou o assunto? Em Mateus 12, as afirmações de Jesus sobre blasfemar contra o Espírito Santo ocorreram quando ele curou um homem cuja possessão demoníaca o havia feito cego e mudo. Em Marcos 3, a cura não é mencionada, Lucas registra a cura no capítulo 11 e menciona a blasfêmia contra o Espírito Santo em 12.10. Afirmar que o mal é o bem e que luz é trevas, era pratica comum entre os fariseus. Esta prática traz em si mesma um alerta anunciado pelo profeta Isaias (Is. 5.20) e agora reinterpretado por Jesus como Blasfêmia contra o Espírito Santo.

Vemos então que a acusação feita contra Jesus em Mateus 12.24 “Este não expulsa os demônios senão por Belzebu, príncipe dos demônios” era de que ele não passava de um curandeiro, cujos exorcismos eram feitos pelo poder maligno, acusação que se repete nos evangelhos. Contesta-se, o verdadeiro significado do poder e das obras do Messias. Não vemos no texto a negação da realidade do milagre, mas a acusação de que são diabólicos, nega-os como sinais do poder soberano de Deus. A reação de Jesus acontece em meio a uma série de parábolas rápidas que demonstram ser ilógico pensar que Satanás daria poderes a Jesus a fim de destruir a si próprio. A última parábola (Mat.12.29), acerca de apoderar-se dos bens do valente, pode ser uma alusão a Isaías 49.24-25, em que Deus descreve a salvação futura com o mesmo tipo de figura de linguagem.

II. O que é então essa blasfêmia contra o Espírito Santo? Louis Berkhof em sua “Teologia Sistemática” é categórico em afirmar que a raiz desse pecado é o consciente e deliberado ódio a Deus e a tudo quanto se reconhece como divino. Declara ele que o pecado é imperdoável, não porque a sua culpa transcende os méritos de Cristo, ou porque o pecador esteja fora do alcance do poder renovador do Espírito Santo, mas, sim porque há também no mundo de pecado certas leis e ordenanças estabelecidas por Deus e por Ele mantidas. “E, no caso desse pecado particular, a lei é que ele exclui toda a possibilidade de arrependimento, cauteriza a consciência, endurece o pecador e, assim, torna imperdoável o pecado”. (p. 249). Conclui Berkhof: “Em vista do fato de que esse pecado não é seguido pelo arrependimento, podemos estar razoavelmente seguros de que os que receiam havê-lo cometido e se preocupam com isso, e desejam as orações doutras pessoas por eles, não o cometeram.”

Para F. Davidson a blasfêmia é uma rejeição da salvação oferecida pelo Espírito Santo. Ele diz: “Este pecado, a rejeição propositada de Cristo e sua salvação é o único que, pela natureza, priva o homem da possibilidade de perdão… A explicação é que o Espírito Santo é quem oferece a salvação ao coração do homem.” (O Novo Comentário da Bíblia, Ed. Vida Nova, 3ª edição – 1995, p. 965).

Dr. Billy Graham em seu livro “O Espírito Santo”, declara:

Este pecado, chamado de “o pecado imperdoável”, é cometido por descrentes Os inimigos de Jesus, quando O acusaram de expulsar demônios pelo poder de Satanás apesar de Ele ter dito antes que os expulsava pela poder do ‘Espírito de Deus’, cometeram este pecado. (…) O pecado imperdoável é rejeitar as verdades sobre Cristo. É rejeitar de maneira completa e definitiva o que o Espírito Santo diz sobre Jesus Cristo: que Ele é o Filho de Deus, o único que pode nos salvar dos nossos pecados. (p. 134, 135)

A blasfêmia contra o Espírito Santo é rejeitar a graça preciosa para a salvação em Jesus Cristo. Desta forma podemos concluir que apenas aqueles que se declaram apáticos as boas novas do Cristo, poderiam blasfemar contra o Espírito Santo, e não os cristãos, conforme recomendação do apóstolo Paulo em Efésios 4.17-22ss e como conclui Charles Ryrie: “(…) para cometer esse pecado imperdoável, é necessário uma condição especial. Não se trata simplesmente de blasfemar em nome do Espírito Santo, mas afirmar ou acusar que as obras de Cristo originam-se em Satanás, e assim esta seria uma acusação de que Cristo seria um agente de Satanás. (…) A rejeição a Cristo é, naturalmente, um pecado imperdoável em qualquer tempo (Jo. 3.18)”. (RYRIE, Charles C., Dicionário Bíblico Wycliffe, Ed. Cpad – 2ª Edição, 2007).

O erudito em Teologia judaico-messiânica David H. Stern também é de acordo quando diz “Blasfâmias (ou seja, insulto) contra o Ruach HaKodesh consiste em (1) continuar de vontade própria a negar o evangelho quando o Espírito Santo deixou claro para você que ele é verdadeiro, ou (2) atribuir as obras do Espírito Santo ao Adversário (Satanás); no contexto presente elas apontam para a mesma coisa (outras interpretações foram oferecidas)” (Comentário Judaico do Novo Testamento, ed. Atos – 2008, p.72).

O Cristão e a Blasfêmia contra o Espírito Santo

De acordo com o ensinamento geral da Bíblia, e na interpretação dos heruditos, enten­demos que jamais uma pessoa cristã cometeu tal pecado, especialmente aqueles que pensam que o fizeram. O Dr. Geo Goodman oferece uma explicação para aqueles cristãos que imaginam ter cometido tal pecado. Como muitos cristãos têm sido perturbados e mesmo alarmados com esta possibilidade, pensemos a respeito:

I. Não é ela para perturbar a consciência impressionável, pois ter uma consciência sensível é estar na condição espiritual diametralmente oposta. O blasfemo aqui referi­do é uma pessoa cuja consciência está cauterizada como que por um ferro em brasa.

II. Não se refere a alguém cair em tentação, a um pecado ou pecados; é mais uma atitude de espírito do que mesmo um ato.

III. Não significa uma simples palavra irrefletida ou descuidada, embora blasfema, porque blasfêmias e peca­dos semelhantes podem ser perdoados.

IV. Não significa meramente atribuir a obra de Cristo ao poder das trevas, como no caso citado – embora isso já seja um sintoma muito perigoso. Contudo, ainda não é o próprio crime. Foi por terem os fariseus e escribas feito isso que Cristo apontou o perigo em que estavam caindo.

Conclusão. O Senhor Jesus advertiu os escribas e fariseus sobre o tenebroso perigo da rejeição de suas almas com vistas ao mundo vindouro. Eles, em suas interpretações, atribuíram ao reino das trevas a redenção que Jesus trouxe. A expulsão dos demônios pelo poder divino era sinal de que o Reino de Deus havia chegado no mundo com todo o seu peso de poder e glória.

Do outro lado, as acusações que os mestres judaicos dirigiram contra Jesus importam em negação do poder e da grandeza do Espírito Santo de Deus como Ser Supremo. O teólogo Pedro Severino diz:

E, ao atribuírem origem demoníaca à atuação do Se­nhor, revelaram perversidade de espírito que, desafiando a verdade, prefere chamar de trevas a própria Luz. Nesse contexto, a blasfêmia contra o Espírito Santo denota re­jeição consciente e deliberada do poder e da graça salvadora de Deus, demonstrados e concretizados medi­ante as palavras e atos de Jesus. No pensamento de W. L. Lanne, a blasfêmia é, portanto, algo muito mais sério do que tomar em vão o nome divino. (A Existência e a Pessoa do Espírito Santo. Ed. Cpad, 1ª edição – 1996, p. 111).

Concluímos nosso assunto com uma abordagem feita pelo Dr. Henry H. Halley, que, mostrando as interpretações de pôr o tema num entendimento mais contextualizada comentou:

Um modo frequente de entender o pecado imperdoável é o seguinte: podia ser perdoada a rejeição a Cristo enquanto ele estava na terra, com sua obra ainda inacabada, quando seus discípulos não o compreendiam. Mas, depois de completada a obra de Cristo e após a vinda do Espírito Santo, a rejeição deliberada e definitiva da oferta de Cristo como Salvador, feita pelo Espírito Santo, consiste no pecado eterno para o qual nunca haverá perdão. (…) (Manual Bíblico de Halley, Ed. Vida –2011, p. 475)

Teorias Filosóficas a Respeito da Natureza do Mal

As várias teorias filosóficas acerca do mal, sua natureza e efeitos mostram que o pensamento acadêmico é bem amplo em sua argumentação. As principais teorias são: a Dualista; a teoria da Mera Privação; da Ilusão; a teoria de que o pecado é falta de “consciência” de Deus, pelo fato de estar a natureza humana presa aos sentidos; a teoria do pecado como falta de confiança em Deus e como oposição ao seu reino devido à ignorância; teoria do Egoísmo e; a teoria de que o pecado consiste na oposição das propensões inferiores da natureza humana a uma consciência moral desenvolvida gradativamente.

Berkhof apresenta todas essas teorias fazendo questão de mostrar os pontos considerados frágeis e também seus principais defensores, como segue:

5.1. Teoria Dualista. Esta é uma das teorias que foram comuns na filosofia grega. Na forma do gnosticismo, conseguiu penetrar na Igreja Primitiva. Admite a existência de um princípio eterno do mal, e sustenta que no homem o espírito representa o princípio do bem, e corpo, o do mal. A teoria dualista é objetável por várias razões: (a) É posição filosoficamente insustentável que haja fora de Deus algo que seja eterno e independente da Sua vontade. (b) Essa teoria retira do pecado o seu caráter ético, fazendo dele uma coisa puramente física e independente da vontade humana, e, deste modo, destrói na verdade a ideia de pecado, (c) Também elimina a responsabilidade do homem, apresentando o pecado como uma necessidade ou inevitabilidade física. Segundo essa teoria, o único meio de escarparmos do pecado consiste em livrar-nos do corpo. (Comentário de Berkhof).

5.2. Teoria de que o pecado é mera privação. De acordo com Leibniz, o presente mundo é o melhor mundo possível. A existência do pecado deve ser considerada inevitável. O pecado não pode ser atribuído ao acaso pessoal de Deus e, portanto, deve ser considerado como simples negação ou privação, sem necessidade de nenhuma causa eficiente. As limitações da criatura o tornam inevitável. Essa teoria torna o pecado um mal necessário, desde que as criaturas são necessariamente limitadas, e o pecado é uma consequência inevitável dessa limitação. Sua tentativa de evitar fazer de Deus o autor do pecado não tem bom êxito pois, mesmo que o pecado fosse apenas uma negação sem nenhuma causa eficiente, Deus seria, não obstante, o autor da limitação da qual ele resultaria. Além disso, a teoria tende a obliterar a distinção entre o mal moral e o mal físico, visto que descreve o pecado como pouco mais que um infortúnio sobrevindo ao homem. Consequentemente, propende a embotar no homem a noção do mal ou da corrupção do pecado, destruir o sentimento de culpa e ab-rogar a responsabilidade moral do ser humano.

5.3. Teoria de que o pecado é uma ilusão. Para Spinoza, como para Leibniz, o pecado é simplesmente um defeito, uma limitação da qual o homem está cônscio; mas enquanto Leibniz considera a noção do mal, que surge dessa limitação, como necessária, Spinoza sustenta que a resultante consciência do pecado deve-se simplesmente à inadequação do conhecimento do homem, que não consegue ver tudo sub specie aeternitatis, isto é, em unidade com a eterna e infinita essência de Deus. Se o conhecimento do homem fosse adequado, de sorte que visse tudo em Deus, ele não teria nenhuma ideia do pecado; este seria simplesmente inexistente para ele. Mas essa teoria, que apresenta o pecado como uma coisa puramente negativa, não explica os seus terríveis resultados que a experiência universal da humanidade atesta da maneira mais convincente. Levada adiante coerentemente, ela ab-roga todas as distinções éticas e reduz conceitos como “caráter moral” e “conduta moral” a frases sem sentido. De fato, reduz toda a vida do homem a uma ilusão: seu conhecimento, sua experiência, o testemunho da consciência, e assim por diante, pois todo o seu conhecimento é inadequado. Além disso, vai contra a experiência da humanidade, que atesta que os mais inteligentes são, muitas vezes, os maiores pecadores, sendo Satanás o maior de todos.

5.4. Teoria de que o pecado é falta de consciência de Deus, pelo fato de estar a natureza humana presa aos sentidos. É o conceito de Schleiermacher. Segundo ele, a consciência do pecado, da parte do homem, depende da sua consciência de Deus. Quando o senso da realidade de Deus se desperta no homem, imediatamente toma consciência da oposição da sua natureza inferior àquela noção. Esta oposição segue-se da própria constituição de seu ser, de sua natureza sensorial, presa aos sentidos, da ligação da alma com um organismo físico. É, pois, uma imperfeição inerente, mas uma imperfeição que o homem sente como pecado e culpa. Contudo, isso não faz de Deus o autor do pecado, uma vez que o homem concebe erroneamente essa imperfeição como pecado. O pecado não tem existência objetiva, mas existe somente na consciência do homem. Mas essa teoria declara o homem constitutivamente mau. O mal estava presente no homem mesmo em seu estado original, quando sua consciência de Deus não era suficiente forte para dominar a natureza sensorial do homem, presa aos sentidos. Isso está em flagrante oposição à Escritura, quando esta sustenta que o homem erroneamente julga que esse mal é o pecado e, assim, entende o pecado e a culpa como puramente subjetivos. E embora Schleiermacher queira evitar esta conclusão, faz de Deus o autor do pecado, responsável por este, pois Ele é o Criador da natureza sensorial do homem. A teoria repousa também numa incompleta indução dos fatos, visto que não leva em conta o fato de que muitos dos mais odiosos pecados do homem não pertencem à sua natureza física, e, sim, à sua natureza espiritual, como por exemplo a avareza, a inveja, o orgulho, a malícia, e outros. Além disso, leva às conclusões mais absurdas como, por exemplo, a de que o ascetismo, enfraquecendo a natureza sensorial, o domínio dos sentidos, necessariamente enfraquece a força do pecado; a de que o homem vai ficando menos pecador conforme se vão enfraquecendo os seus sentidos; a de que o único redentor é a morte; e a de que os espíritos desencarnados ou incorpóreos, o diabo inclusive, não tem nenhum pecado. (Berkhof).

5.5. Teoria do pecado como falta de confiança em Deus e como oposição ao seu reino, devido à ignorância. Como Schleiermacher, Ritschl também dá ênfase ao fato de que o pecado é entendido somente do ponto de vista da consciência cristã. Os que se acham fora dos limites da religião cristã, e os que estão ainda alheios à experiência da redenção, não têm nenhum conhecimento do pecado. Sob a influencia da obra redentora de Deus, o homem toma consciência da sua falta de confiança em Deus e da sua oposição ao reino de Deus, que constitui o bem supremo. O pecado não é determinado pela atitude do homem para com a lei de Deus, mas por sua relação com o propósito de Deus, que visa ao estabelecimento do Reino. O homem imputa a si próprio, como culpa, o seu fracasso em não conseguir tornar seu propósito de Deus, mas Deus o considera apenas como ignorância e, porque ignorância, é imperdoável. A ideia de que o pecado é ignorância vai contra a voz da experiência cristã. O homem que leva sobre si o fardo o senso de pecado, certamente não pensa nisso daquele modo. Também é grato porque não somente os pecados cometidos na ignorância são doáveis, mas igualmente todos os demais, com a única exceção da blasfêmia contra o Espírito Santo.

5.6. Teoria de que o pecado é egoísmo. Assumem essa posição Mueller e A H. Strong, entre outros. Alguns que assumem essa posição concebem o egoísmo apenas como o oposto do altruísmo ou da generosidade; outros o entendem como a escolha do ego, em vez de Deus, como o supremo objeto do amor. Para Berkhof essa teoria, especialmente quando concebe o egoísmo como a colocação do ego no lugar de Deus, é, de longe, a melhor das teorias mencionadas. Todavia, dificilmente se pode dizer que é satisfatória. Embora todo egoísmo seja pecado, e haja um elemento de egoísmo em todo pecado, não se pode dizer que o egoísmo é a essência do pecado. Só se pode definir propriamente o pecado com referencia à lei de Deus, referencia completamente ausente da definição em foco. Além disso, há muitos pecados nos quais o egoísmo está longe de ser o principio dominante. Quando um pai é abatido pela pobreza e vê a esposa e os filhos esmorecidos por falta de alimento, e, em, seu desesperado desejo de socorrê-los acaba recorrendo ao roubo, dificilmente se pode dizer que isso é puro egoísmo. Até pode ser que a ideia de ego estivesse inteiramente ausente. A inimizade para com Deus, a dureza de coração, a impenitência e a incredulidade são pecados hediondos, mas não podem ser simplesmente classificados como egoísmo. E certamente a ideia de que toda virtude é desinteresse próprio ou generosidade, o que parece constituir um necessário corolário da teoria que estamos considerando, não é válida, pelo menos numa das suas formas. Um, ato deixa de ser virtuoso quando a sua realização cumpre e satisfaz alguma exigência da nossa natureza. Ademais, a justiça, a fidelidade, a humanidade, a clemência, a paciência e outras virtudes podem ser cultivadas ou praticadas, não como formas de generosidade, mas como virtudes inerentemente excelentes, não meramente pela promoção da felicidade de outros, mas pelo que elas são em si mesmas.

5.7. Teoria de que o pecado consiste na oposição das propensões inferiores da natureza humana a uma consciência moral desenvolvida gradativamente. Essa opinião foi desenvolvida por Tennant, em suas Conferências Hulseanas. É a doutrina do pecado elaborado de acordo com a teoria evolucionista. Os impulsos naturais e as qualidades herdadas, derivadas dos animais inferiores, compõem o material do pecado, mas não se tornam pecado concretamente enquanto não forem tolerados contrariamente ao senso moral da humanidade em seu desenvolvimento gradual. As teorias de McDowall e Fiske seguem linhas semelhantes. A teoria apresentada por Tennant hesita um tanto entre a ideia bíblica sobre o homem e a ideia apresentada pela teoria evolucionista, inclinado-se ora para um lado, ora para outro. Pressupõe que o homem tinha livre arbítrio – vontade livre – mesmo antes do despertar da sua consciência moral, de modo que podia fazer uma escolha quando era posto diante de um ideal moral; mas não explica como se pode conceber uma vontade livre e indeterminada num processo de evolução. A teoria limita o pecado às transgressões da lei moral cometidas com clara consciência de um ideal moral e, portanto, condenadas como más pela consciência. É, na verdade, apenas a velha ideia pelagiana do pecado enxertada na teoria evolucionista e, portanto, está aberta a todas as objeções que pesam sobre o pelagianismo. O defeito radical dessas teorias todas é que procuram definir o pecado sem levar em consideração que o pecado é essencialmente o abandono de Deus, a oposição a Deus e a transgressão da lei de Deus. Sempre se deve definir o pecado em termos da relação do homem com Deus e Sua vontade como vem expressa na lei moral.

O Problema do Mal

São diversos os questionamentos quanto ao assunto da existência tanto de Deus quanto do mal: Se Deus criou todas as coisas, e se o mal existe, então Ele também criou o mal? Se Deus é amor e infinito em misericórdia, como poderia tê-lo criado? Se isso é assim, não seria o próprio Deus a fonte dos nossos males? O culpado de toda miséria que aflige o homem?

De fato, a existência do mal suscita um dos maiores questionamentos contra a fé cristã, seja por parte dos opositores intelectuais, dos adeptos de religiões não-cristãs ou dos escarnecedores. O nosso objetivo, neste ponto, que visa abordar de forma concisa o debate sobre o tema, é apresentar argumentos teológicos e apologéticos suficientemente fortes e razoáveis, baseados na Palavra de Deus. Sua Palavra, como sempre, é a luz para o nosso caminho e, como afirmou o sábio Salomão, grande pensador, sobre a vida humana: “… A vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito” (Pv. 4.18). Mas não poderíamos abordar tão importante assunto sem trabalhar a argumentação de eruditos como Geisler, Greg Bahnsen, Agostinho e Tomás de Aquino.

6.1. A existência do mal e o seu problema. É importante que exerçamos nossa cosmovisão¹, reconhecendo a realidade do mundo e também que a questão do mal não é simplesmente um jogo de discussões; ou seja, uma forma de ver a vida de maneira não ou menos justa. O mal é real. O mal é horrível. Somente quando ficamos intelectual e emocionalmente sensíveis a respeito da existência do mal podemos avaliar a profundidade do problema que os descrentes enfrentam em relação à visão cristã de mundo, mas, do mesmo modo, percebemos por que o problema do mal acaba confirmando este ponto de vista cristão, ao invés de enfraquecê-lo. O mal deve ser levado a sério como “mal”.

Greg Bahnsen diz que “o problema do mal nunca foi propriamente compreendido por muitos apologistas cristãos que, algumas vezes, menosprezam a dificuldade dos céticos ao cristianismo quando compreendem o problema do mal como sendo apenas uma demonstração colérica contrária à suposta bondade de Deus”. De qualquer maneira, é assim que os crentes professam a bondade de Deus. Mas os descrentes vêm com os seus exemplos contrários a isso. (O problema do mal, por Greg Bahsen – Revista Defesa da Fé nº 72 , ICP – Instituto Cristão de Pesquisas).

I. O descrente e sua argumentação. O filósofo escocês do século 18, David Hume, expressou o problema do mal mediante uma maneira forte e desafiadora. Declara: “Se Deus quer evitar o mal, mas não é capaz disso, então Ele é impotente. Se Ele é capaz, mas não quer evitá-lo, então Ele é malévolo. Se ele é capaz de evitá-lo e quer evitá-lo, como se explica o mal?”. (HUME,David. Diálogos sobre a religião natural. [Tradução José Oscar de Almeida Marques]. São Paulo: Marins Fontes, 1992, p. 136).

O que Hume estava argumentando é que o cristão não pode, de forma lógica, aceitar estas três premissas: Deus é onipotente, Deus é benevolente, e, no entanto, o mal existe no mundo. Se Deus é Todo-Poderoso, então deve ser capaz de evitar ou remover o mal, se desejar. Se Deus é benevolente, então certamente deseja evitar ou remover o mal. Todavia, é inegável que o mal existe.

Já George Smith em seu livro, Atheism: the case against God [Ateísmo: o caso contra Deus]: declara o problema do mal da seguinte maneira: “Resumidamente, o problema do mal é este: Se Deus sabe que o mal existe, mas não pode evitá-lo, Ele não possui todo o poder. Se Deus sabe que o mal existe e pode evitá-lo, mas não deseja fazê-lo, Ele não é benevolente”. (Buffalo, New York: Prometheus Books,1979).

Smith acha que os cristãos não podem, de forma lógica, crer nas premissas: “Deus é completamente bom, bem como completamente poderoso.” Então, a acusação que os descrentes fazem é que a doutrina cristã é incoerente porque adota declarações inconsistentes umas com as outras, devido à maldade que paira neste mundo. O descrente argumenta que mesmo que tivesse de aceitar as afirmações da teologia cristã, sem levar em consideração a prova individualmente favorável ou contrária à sua opinião, “essas premissas não se admitem entre si”. O desafio do cristianismo é interno e até mesmo o crente deve reconhecer, contanto que ele, de forma realista, admita a presença do mal no mundo. Este mal, acredita-se, é incompatível com a bondade de Deus ou com o seu poder.

6.2. A gênese do mal. Norman L. Geisler diz que os elementos básicos na resposta teísta a esse “problema” são encontrados em Agostinho e Tomás de Aquino. Os Teístas desde então seguiram as linhas de seu pensamento. Ambos concordam na resposta, que pode ser declarada na premissa da seguinte forma:
Deus é absolutamente perfeito.
Deus criou apenas criaturas perfeitas.
Uma das perfeições que Deus concedeu a algumas dessas criaturas foi o poder do livre arbítrio.
Algumas dessas criaturas escolheram livremente fazer o mal.
Portanto, uma criatura perfeita causou o mal.

Geisler completa:

Deus é bom, e criou criaturas boas com uma qualidade denominada livre-arbítrio. Infelizmente, elas usaram este poder bom para trazer o mal ao Universo ao se rebelar contra o Criador. Então o mal surgiu do bem, não direta, mas indiretamente, pelo mau uso do poder bom chamado liberdade. (GEISLER, Norman – Enciclopédia de Apologética, p. 534, Ed. Vida – 2002).

Desta forma, Deus é responsável por tornar o mal possível, mas as criaturas livres são responsáveis por torná-lo real. Diante disso, conclui-se que, de alguma forma, o mal se relaciona a Deus, porém, se o crente prega que o mal não é algo separado de Deus e, ao mesmo tempo, não pode proceder de seu interior, então o que é o mal? O problema da criação não pode ser simplificado nas seguintes premissas: 1. Deus é o Autor de tudo o que existe; 2. O mal é algo que existe; 3. Logo, Deus é o Autor do mal

Concordar que Deus não criou todas as coisas é negar sua soberania. Todavia, admitir que Ele causou todas as coisas e que o mal faz parte dessas coisas é reconhecer que Deus causou o mal. Entretanto, os crentes respondem que o mal não é uma coisa ou substância, antes, é a falta ou a privação de algo bom que Deus fez. Assim, o mal é a corrupção das substâncias boas que Deus criou. É como a ferrugem em um carro ou a podridão em uma árvore. O mal não é algo em si só. Existe somente em companhia de outra coisa, mas nunca sozinho.

6.3. A ocorrência do mal: Por que Deus, na sua onipotência, não destrói o mal?

Mesmo um ser onipotente como Deus não é capaz de fazer qualquer coisa para mudar esta tendência humana. Explicando: Deus jamais forçaria as pessoas a escolher livremente o bem, porque a liberdade forçada seria uma contradição à sua Palavra. Logo, Deus não pode destruir literalmente todo o mal sem aniquilar o livre-arbítrio. A única maneira de destruir o mal seria destruindo o bem do livre-arbítrio. Logo, se Deus destruísse todo o mal, teria de destruir também todo o bem do livre-arbítrio Mas, apesar de Deus não aniquilar o mal, Ele pode (e irá!) derrotá-lo e, ao mesmo tempo, preservar o livre-arbítrio. Assim, ainda que o mal não possa ser destruído sem destruir o livre arbítrio, ele pode ser derrotado.

I. A finalidade do mal. Deus tem uma determinação para tudo e, por conta disso, nos permite conhecer um bom propósito para a maior parte do mal. Por exemplo, a habilidade que temos de sentir dor possui um bom propósito. C. S. Lewis² declarou que “a dor é o megafone de Deus para advertir o mundo moralmente surdo”. Além disso, temos de ponderar que parte do mal é produto do bem e que Deus é capaz de extrair coisas boas do mal. Também, temos de entender que nem todo evento específico no mundo precisa ter um bom propósito. Apenas o propósito geral precisa ser bom. Certamente, Deus tinha um bom propósito para criar a água (sustentar a vida), mas afogamentos são um dos subprodutos malignos. Assim, nem todo afogamento específico precisa ter um bom propósito, apesar de a criação da água ter tido. A bem da verdade, muitas coisas boas seriam perdidas se Deus não tivesse permitido que o mal existisse. Isso não significa que este mundo seja o melhor mundo possível, mas que Deus o criou como a melhor maneira de atingir seu objetivo supremo do bem maior. (Os artigos de Geisler e Greg Bahnsen acerca do assunto foram da tradução do apologista Elvis Brassaroto Aleixo).

Os Efeitos Noéticos do pecado e as Divergências Teológicas

Outro tema divergente na hamartiologia é o conceito do chamado “efeitos noéticos do pecado”. A palavra “noético” deriva-se da palavra grega nous, que é normalmente traduzida como “mente”. No conceito da teologia os efeitos noéticos do pecado são consequências da queda do homem no intelecto humano. Ou seja, a pessoa humana inteira, incluindo todas as nossas faculdades, foi devastada pela corrupção da natureza humana. Esse pensamento interpretativo conclui que nossos corpos morrem devido ao pecado e, a vontade humana se encontra em um estado de prisão moral, cativa aos desejos e impulsos maus do coração. Assim, nossas mentes, da mesma forma, são caídas, e nossa própria capacidade de pensar foi severamente enfraquecida pela queda.

Essa posição teológica que se opõe a qualquer forma racional de interpretação bíblica, alega que o pecado corrompeu tanto a mente humana que não é possível que a humanidade caída entenda a revelação de Deus adequadamente nem raciocine corretamente. A visão está baseada numa compreensão específica da teologia reformada e é expressa por teólogos como Soren Kierkegaard (1813-1855), Herman Dooyeweerd (1894-1977) e Cornelius Van Til (1895-1987). Outros cristãos reformados e apologistas clássicos rejeitam essa dicotomia, afirmando que, apesar de o pecado destruir a imagem de Deus na humanidade e a revelação geral, ele não as apaga. Como veremos nessa breve abordagem.

7.1. O pecado e a mente na interpretação teológica. É clara a posição de alguns teólogos Reformadores na ênfase aos efeitos noéticos do pecado. João Calvino (1509-1564) supostamente, foi rápido em demonstrar que a depravação da vontade humana obscurece a capacidade de entender e responder à revelação natural de Deus. Calvino Escreveu: “A ideia da natureza dele [de Deus] não é clara a não ser que o reconheça como origem e fundação de toda bondade. Logo, surgiria a confiança nele e o desejo de apegar-se a ele, se a depravação da mente humana não a afastasse do curso adequado de investigação”. (Institutas, 1.11.2). Calvino acreditava que a Certeza completa só vem pelo Espírito Santo agindo por meio dessa evidência objetiva para confirmar no coração da pessoa que a Bíblia é a Palavra de Deus. Ele ainda disse:

Nossa fé na doutrina só é estabelecida quando temos a convicção perfeita de que Deus é seu Autor. Logo, a maior prova da Escritura é uniformemente tirada do caráter daquele a quem a palavra pertence. Nossa convicção da verdade das Escrituras deve ser derivada de uma fonte maior que conjecturas, julgamentos ou razões humanas; a saber, o testemunho secreto do Espírito. (ibid., 1.7.1, v. 1.8.1).

Ainda na interpretação teológica acerca da depravação mental humana pelo pecado, o argumento moderno do teólogo holandês Cornelius Van Til, torna-se expressivo nessa argumentação. Em sua obra “Em defesa da fé”, ele diz que o incrédulo tem dentro de si o conhecimento de Deus por causa da criação à imagem de Deus. E declara: “Mas essa ideia de Deus é suprimida pelo seu falso princípio, o princípio da autonomia” (In defense of the faith [Em defesa da fé], p. 170). É esse princípio que constitui a analogia da “visão distorcida” de Van Til, pelo qual todo conhecimento do incrédulo é distorcido e falso. A doutrina da depravação radical implica na crença de que toda atividade interpretativa incrédula resulta em conclusões falsas, conforme base bíblica de Ef. 2.1 – “mortos no pecado”, 1ª Co. 2.14 – “Ausência do discernimento espiritual”, e – 1ª Co. 1.21 – “Ausência da sabedoria”.

7.2. Posições com argumentos contrários. Outros teólogos reformados não-pressuposicionais, tais como Jonathan Edwards, Β. Β. Warfield, John Gerstner e R. C. Sproul também acreditam firmemente na depravação total sem aceitar essa posição dos efeitos noéticos do pecado. A depravação total pode ser compreendida como a incapacidade de iniciar ou obter a salvação sem a graça de Deus, ou seja, os versículos de base apresentados não podem significar que não haja evidência da existência de Deus, já que Paulo declarou também em Romanos 1.19,20 que a evidência da existência de Deus é tão clara que os pagãos são “indesculpáveis”. O contexto de 1ª Coríntios não é a existência de Deus, mas seu plano de salvação na cruz. Ainda em 1ª Coríntios, Paulo lembra o testemunho ocular da ressurreição de Cristo, que seu companheiro Lucas denominou “muitas provas indiscutíveis” (At. 1.3). Portanto, sua referência ao mundo que pela sabedoria não se conhece a Deus não é uma referência à incapacidade dos seres humanos para conhecer a Deus por meio da evidência que ele revelou na criação (Rm. 1.19,20) e na consciência (Rm. 2.12-15). Antes trata-se de uma referência à rejeição humana, insensata e depravada da mensagem da cruz. Apesar de cada pessoa saber claramente por meio da razão humana que Deus existe, a depravação “detém”, ou “suprime”, essa verdade pela injustiça (Rm 1.18).

7.2.a. Reinterpretando Calvino. Geisler em sua “Enciclopédia de Apologética” diz que Calvino jamais acreditou nos efeitos noéticos do pecado, a ponto de afirmar que nenhuma pessoa incrédula poderia entender a revelação de Deus. Na realidade, Calvino insistiu em que “existe na mente humana, e na verdade por instinto natural, um senso de divindade” (Institutas. 1.3.1). Ele argumentou que “não há nação tão bárbara, nem raça tão bruta, que não esteja impregnada com a convicção de que há um Deus” (ibid.). Esse “senso de divindade está tão naturalmente gravado no coração humano que até os depravados são forçados a reconhecê-lo” (Institutas, 2.4.4). Calvino foi além, afirmando que a essência invisível e incompreensível de Deus foi manifesta nas obras de Deus, junto com provas da imortalidade da alma (Institutas, 1.5.1-2). Pois em cada uma das suas obras sua glória está gravada em letras tão brilhantes, tão distintas e tão ilustres, que ninguém, por mais ignorante, pode alegar sua ignorância como desculpa (ibid.).

Geisler ainda lembra que ao comentar Romanos 1.20,21, Calvino conclui que Paulo ensina que Deus apresentou à mente de todos a maneira de conhecê-lo, tendo se manifestado por meio de suas obras, de forma que elas devem necessariamente ver aquilo que elas mesmas não procuram saber — que há um Deus (New Testament commentaries: Epistles of Paul to the Romans and Thessalonians). Para Calvino, esse conhecimento inato de Deus inclui o conhecimento de sua lei justa. Ele acreditava que, já que “os gentios têm a justiça da lei naturalmente gravada em sua mente, não podemos dizer que são totalmente cegos à regra da vida” (Institutas, 1.2.2 2). Ele chama essa consciência moral “lei natural”, que é suficiente para a condenação, mas não para a salvação (ibid.). Por meio dessa lei natural, “o julgamento da consciência” é capaz de distinguir entre o que é justo e injusto (New Testament commentaries: Epistles of Paul to the Romans and Thessalonians, p. 48). Por causa das letras brilhantes da glória de Deus, a maioria das pessoas tem as mesmas ideias básicas sobre o que é certo e o que é proibido. É evidente que Deus deixou “provas” de si mesmo para todos, tanto na criação quanto na consciência (ibid, p. 48). (Enciclopédia de Apologética, Ed. Vida – 2002, p. 633-34).

NOTA:

1. Cosmovisão. O conceito de “cosmovisão” ainda é amplamente obscuro por parte da Cristandade. Não é de se admirar sendo o termo pouco esboçado pela liderança representativa da igreja local. O termo cosmovisão a princípio, trata-se de uma tradução da palavra alemã weltanschauung, que significa “modo de olhar o mundo” (welt – mundo, schauen – olhar), ponto de vista ou concepção de mundo. De acordo com Albert Wolters, este termo tem a vantagem de ser claramente distinto de “filosofia” (ao menos no uso alemão) e de ser menos enfadonho do que a frase “visão do mundo e da vida”. Em poucas palavras, é um conjunto de suposições e crenças que utilizamos para interpretar e formar opiniões acerca da nossa humanidade, propósito de vida, deveres no mundo, responsabilidades para com a família, interpretação da verdade e questões sociais. “É como um mapa mental que nos diz como navegar de modo eficaz no mundo”. (PEARCEY, Nancy. Verdade Absoluta: libertando o Cristianismo do seu cativeiro cultural. – Rio de Janeiro: CPAD, 2006, p. 25). Cosmovisão na erudição teológica. James Sire faz uma pesquisa profunda sobre o significado do termo. Inicialmente, ele apresente os conceitos usados por vários pensadores cristãos, do passado e do presente. Alguns desses são: 1. James Orr. “É a visão mais ampla que a mente pode ter das coisas num esforço de compreendê-las como um todo, do ponto de vista de alguma filosofia ou teologia em particular”.2. Abraham Kuyper. “Sistema de vida abrangente”. Toda cosmovisão, sustenta Kuyper, deve tratar de “três relações fundamentais de toda a existência humana: a saber, nossa relação com Deus, com o homem e com o mundo”. 3. James Olthuis. “É uma estrutura ou conjunto de crenças fundamentais pelas quais vemos o mundo e nosso chamado e futuro nele (…). 4.d. Albert M. Wolters. “Cosmovisão é a estrutura abrangente das crenças básicas de uma pessoa sobre as coisas”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

– A Confissão Belga (1561)

– A Confissão de Fé de Westminster (1643–46)

– Breve Catecismo de Westminster (1643-1649)

– BERKHOF, Louis – Teologia Sistemática, Ed. Cultura Cristã, 6ª tiragem 2000.

– GEISLER e HOWER, Norman Geisler, Thomas Howe – Manual popular de dúvidas, enigmas e “contradições” da Bíblia — Ed. Mundo Cristão, 1999.

– MARINO, Bruce. Origem, natureza e consequências do pecado. In: HORTON, Stanley (Org.). Teologia Sistemática: Uma perspectiva pentecostal. CPAD, 1996.

– LUTERO, Martinho.,Os Artigos de Esmalcalde. In: Livro de Concórdia. São Leopoldo – Porto Alegre: Sinodal/Concórdia, 1997.

– LUTERO, Catecismo Maior. In: Livro de Concórdia. São Leopoldo – Porto Alegre: Sinodal/Concórdia, 1997.

– CALVINO, John.,Institutas –Livro II – 1.8.

– SILVA, Severino Pedro da. A Existência e a Pessoa do Espírito Santo”, Ed. Cpad, 1ª edição.

Fonte: NAPEC

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