Por Pr. Silas Figueira
Para termos um
entendimento melhor da morte voluntária de Jesus e do silêncio de Seu Pai em
resposta à Sua oração, devemos primeiro olhar mais de perto aquela fatídica
noite no Jardim Getsêmani: "Em
seguida, foi Jesus com eles a um lugar chamado Getsêmani e disse a seus
discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto eu vou ali orar; e, levando consigo a
Pedro e aos dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e a angustiar-se.
Então, lhes disse: A minha alma está profundamente triste até à morte; ficai
aqui e vigiai comigo. Adiantando-se um pouco, prostrou-se sobre o seu rosto,
orando e dizendo: Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice! Todavia, não
seja como eu quero, e sim como tu queres" (Mateus 26.36-39). Do ponto
de vista humano, esse é um dos mais trágicos eventos do Novo Testamento. Lemos
uma descrição detalhada do comportamento do Senhor antes de Sua prisão, que
resultou em Sua condenação e posterior execução na cruz do Calvário.
No jardim do Getsêmani,
afastando-Se dos discípulos e ficando apenas com Pedro e os dois filhos de
Zebedeu a Seu lado foi orar. Quando Ele ficou sozinho, mais tarde, "adiantando-se um pouco, prostrou-se
sobre o seu rosto, orando..." (Mt 26.39). Qual foi a Sua oração? "..Meu Pai, se possível, passe de mim
este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu queres"
(v. 39). Jesus não recebeu resposta. O Pai ficou em silêncio. Jesus voltou até
onde estavam os Seus discípulos:
"...E, voltando para os discípulos, achou-os dormindo; e disse a Pedro:
Então, nem uma hora pudestes vós vigiar comigo? Vigiai e orai, para que não
entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é
fraca"(vv. 40-41). Nesta hora extremamente crítica da Sua vida
terrena, o Filho do homem precisou como todo ser humano precisa da simpatia dos
outros, ainda que de uns poucos, pois nenhuma vida que seja verdadeiramente
humana pode ser completamente independente. Quando Jesus se reúne a seus
discípulos os acha dormindo, expressa dolorosa surpresa de que estes três
vigorosos pescadores, que tinham passado muitas noites em claro trabalhando sozinhos
no Mar da Galiléia, estejam assim tão sem forças que não possam ficar acordados
com Ele sequer por uma hora [1]. Algo
muito natural tinha acabado de acontecer: a carne dos discípulos não estava
disposta e nem era capaz de resistir aos ataques de Satanás.
Não sabemos
quanto tempo o Senhor orou, mas deve ter sido durante pelo menos uma hora, se
nos basearmos na afirmação: "Então,
nem uma hora pudestes vós vigiar comigo?" Apesar da promessa
determinada de Pedro de morrer com o Senhor, ele já havia se afastado da
batalha que acontecia no Getsêmani.
"Tornando a retirar-se, orou de novo,
dizendo: Meu Pai, se não é possível passar de mim este cálice sem que eu o
beba, faça-se a tua vontade" (v. 42). Novamente não houve uma resposta
do Pai, apenas silêncio. Jesus deu aos discípulos outra chance: "... voltando, achou-os outra vez
dormindo; porque os seus olhos estavam pesados" (v. 43). Desta vez o
Senhor não os acordou nem deu outra instrução. Ao invés disso, lemos que Ele: "... Deixando-os novamente, foi orar pela
terceira vez, repetindo as mesmas palavras" (v. 44).
"E, estando em agonia, orava mais
intensamente." Ao
lermos o relato no evangelho de Marcos notamos que o evento é descrito de uma
forma um pouco diferente. Entretanto, Lucas revela que após Jesus ter orado, "...lhe apareceu um anjo do céu que o
confortava" (Lucas 22.43). Não nos é revelado como ele O "confortava", mas no versículo
seguinte lemos que Suas orações tornaram-se ainda mais desesperadas: "E, estando em agonia, orava mais
intensamente. E aconteceu que o seu suor se tornou como gotas de sangue caindo
sobre a terra" (v. 44). A palavra agonia
é achada somente aqui no Novo Testamento [2].
Quando
analisamos esse fato de uma perspectiva humana, ele parece-nos ilógico, porque
o versículo anterior diz que Jesus acabara de ser consolado por um anjo do céu,
continuando a batalhar em oração a tal ponto que "gotas de sangue" caíram sobre a terra. Foi o consolo do
anjo uma resposta à Sua oração ou esse consolo era necessário para que Ele
continuasse orando? Creio que a segunda opção é a correta, como veremos ao
examinarmos mais detalhadamente essa situação.
Normalmente se
interpreta que Jesus, como Filho do Homem, em carne e osso, tinha medo da morte
como qualquer outro ser humano, mas mais do que a morte física, porém a morte
espiritual que Ele estava por enfrentar. Assim sendo, não seria surpresa que
Jesus orasse que "este cálice",
representando a morte na cruz, fosse passado d’Ele. Entretanto, tal
interpretação não corresponde a versículos como os do Salmo 40.7-8: "Então, eu disse: eis aqui estou, no
rolo do livro está escrito a meu respeito; agrada-me fazer a tua vontade, ó
Deus meu; dentro do meu coração, está a tua lei". Jesus se agradava em
fazer a perfeita vontade de Deus, a qual foi estabelecida antes da fundação do
mundo.
Para estar certo
de que Davi não estava falando de si mesmo nesta passagem, encontramos a
confirmação em Hebreus 10.7, 9, 10: "Então,
eu disse: Eis aqui estou (no rolo do livro está escrito a meu respeito), para
fazer, ó Deus, a tua vontade... então, acrescentou: Eis aqui estou para fazer,
ó Deus, a tua vontade. Remove o primeiro para estabelecer o segundo. Nessa
vontade é que temos sido santificados, mediante a oferta do corpo de Jesus
Cristo, uma vez por todas". Se olharmos a oração de Jesus no Jardim do
Getsêmani como um sinal de fraqueza, apesar dEle ter sido consolado por um
anjo, tal comportamento iria contradizer a passagem profética que acabamos de
ler.
Consideremos o
texto de Isaías 53.3,5 e 7: "Era
desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que
é padecer; e, como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e
dele não fizemos caso... Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e
moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele,
e pelas suas pisaduras fomos sarados... Ele foi oprimido e humilhado, mas não
abriu a boca; como cordeiro foi levado ao matadouro; e, como ovelha muda
perante os seus tosquiadores, ele não abriu a boca".
Como um
cordeiro, Jesus foi levado para o matadouro; Ele permaneceu em silêncio como
uma ovelha. Essas passagens das Escrituras nos dão razões para crer que algo
mais tenha acontecido no Jardim do Getsêmani quando Jesus orou para que "este cálice" pudesse ser
passado dEle. Essa seria uma oração desnecessária, uma exibição de fraqueza e
indecisão, mas tal quadro não corresponde à descrição completa do Messias.
Enquanto
aparentemente o Pai ficou em silêncio diante da tríplice oração de Jesus, as
Escrituras documentam que Sua oração, na verdade, foi respondida. Hebreus 5.5
fala de Cristo como o sacerdote da ordem de Melquisedeque: "assim, também Cristo a si mesmo não se glorificou para se tornar
sumo sacerdote, mas o glorificou aquele que lhe disse: Tu és meu Filho, eu hoje
te gerei".
O versículo 7
contém a resposta a essa oração: "Ele,
Jesus, nos dias da sua carne, tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas,
orações e súplicas a quem o podia livrar da morte e tendo sido ouvido por causa
da sua piedade". O Getsêmani foi o único local onde Jesus pediu que
Sua vida fosse poupada; Jesus não morreu no Jardim Getsêmani.
O silêncio
aparente de Deus diante da oração de Jesus no Jardim foi, como vimos, uma clara
resposta a essa oração. Desse ponto de vista, entendemos que a oração de Jesus
não foi para que Sua vida fosse poupada na cruz do Calvário. A oração de Jesus
foi ter sua vida poupada para que não morresse ali no Jardim do Getsêmani. Ele
estava destinado a morrer na cruz do Calvário para tirar os pecados do mundo.
O que aconteceu
no Jardim do Getsêmani? Pelo que já vimos, é claro que os poderes das trevas e
mesmo a morte estavam prontos a tirar a vida de Jesus ali mesmo naquela hora.
Em Mateus 26.38 lemos: "Então, lhes
disse: A minha alma está profundamente triste até à morte; ficai aqui e vigiai
comigo". Marcos 14.34 revela: "...E
lhes disse: A minha alma está profundamente triste até à morte..." Segundo
Tasker Jesus estava com o coração ao ponto de romper-se [3].
Mesmo que Jesus
não tenha morrido fisicamente no Jardim do Getsêmani, Ele foi certamente
obediente até à morte; Ele experimentou a morte dupla de um pecador condenado!
Ele foi "obediente até à morte e
morte de cruz" (Filipenses 2.8).
De Sua agonia de
pavor, enquanto contemplava as implicações da sua morte, Jesus emergiu com confiança
serena e resoluta. Assim, quando Pedro sacou da espada numa tentativa frenética
de impedir a prisão, Jesus pôde dizer: “Não
beberei, porventura, o cálice que o Pai me deu?” (Jo 18.11). Visto que João
não registrou as orações agonizantes de Jesus pedindo a remoção do cálice, esta
referencia a Ele é ainda mais importante. Jesus sabe que o que o cálice não lhe
será tirado. O Pai lho deu. Ele o beberá [4].
Notas
1
– Tasker, R. V. G. Mateus, Introdução e Comentário. Ed. Mundo Cristão e Vida
Nova, São Paulo, SP, 1985: p. 198.
2
– Morris, L. Leon. Lucas, Introdução e Comentário. . Ed. Mundo Cristão e Vida
Nova, São Paulo, SP, 1986: p. 292.
3
– Tasker, R. V. G. Mateus, Introdução e Comentário. Ed. Mundo Cristão e Vida
Nova, São Paulo, SP, 1985: p. 200.
4
– Stott, John R. W. A Cruz de Cristo. Ed. Vida, São Paulo, SP, 9ª impressão
2002: p. 67.
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