quinta-feira, 1 de junho de 2023

A PARÁBOLA DA GRANDE CEIA - Lucas 14.15-24

Por Pr Silas Figueira

Texto base: Lucas 14.15-24

INTRODUÇÃO

Kenneth Bailey diz que em Lucas esta parábola é contada em um banquete, onde as pessoas estão reclinadas. A palavra “reclinar-se” nos evangelhos sempre significa uma refeição ao ar-livre. As refeições realizadas ao ar-livre, em que Jesus e seus discípulos se “reclinavam” não eram comidas em mesas, mas os convivas estão reclinados em sofás ao redor de uma mesa baixa [1]. Foi durante esse momento festivo que Jesus proferiu esta parábola. Anteriormente Jesus já havia proferido um discurso mostrando para o anfitrião da festa que ele deveria convidar pessoas que não pudessem retribuir ao anfitrião a cortesia, mas convidar os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos, assim ele seria considerado um bem-aventurado. Que sua recompensa não seria de seus amigos aqui na terra, mas no céu, na ressurreição dos justos (Lc 14.12-14).

Quando Jesus mencionou a “ressurreição dos justos”, um dos convidados empolgou-se e exclamou: “Bem-aventurado aquele que comer pão no reino de Deus!” O povo judeu imaginava o reino vindouro como um grande banquete, tendo Abraão, Isaque, Jacó e os profetas como convidados de honra (Lc 13.28; ver Is 25.6). Esse convidado anônimo estava certo de que, um dia, estaria presente no “banquete do reino” com eles! [2] Sua efusividade, entretanto, estava cheia de engano, pois quem proferiu essas palavras julgava que ele e seus pares, fiados em sua justiça própria, estariam nesse banquete. Jesus, então, corrige seu engano e conta mais uma parábola para falar da festa da salvação [3]. Charles L. Childers corrobora com esta afirmativa quando diz que Jesus aproveita sua afirmação como ponto de partida para uma parábola que condena a atitude de exclusividade e falsa segurança [4].

Quais as lições que está parábola têm nos ensinar?

1 – UM CONVITE PARA UM BANQUETE E A SUA RECUSA (Lc 14.16-20).

O homem da parábola convidou a muitos. Este primeiro convite era amplo, mas exclusivo. Os pobres, aleijados e cegos não estavam incluídos. Na aplicação da parábola, os convidados foram os judeus [5].

O certo homem que deu uma grande ceia é o próprio Deus. Esse banquete simboliza a festa escatológica (ou messiânica). Os convidados simbolizam alguns dos contemporâneos de Jesus que presumiram que sua eleição (“convite”) “eram favas contadas” (a saber, os “parentes, “vizinhos ricos” etc.). No entanto, contrariando todas as expectativas, os convidados desprezam o convite para o banquete [6].

Com isso em mente, podemos destacar algumas lições.

1º - Em primeiro lugar, a salvação simboliza um grande banquete (Lc 14.16,17). Ele convidou a muitos. Cristo convidou toda a nação e todo o povo judeu para participar dos benefícios de seu Evangelho. Há uma provisão suficiente para tantos quantos quiserem; ela foi profetizada como uma festa para todos os povos, Isaías 25.6. Cristo, no Evangelho, não só mantém uma boa casa, mas Ele também mantém uma casa aberta. Um lembrete específico foi dado, quando a hora da ceia estava chegando; o servo foi enviado para lembrá-los da ceia: Vinde, que já tudo está preparado [7].

Não se menciona ter alguém declinado o convite. Então, pouco antes de dar início ao banquete, o anfitrião envia um servo a dizer aos convidados: “Venham, porque tudo já está preparado” [8].

2º - Em segundo lugar, o banquete da salvação é preparado por Deus (Lc 14.16,17). A salvação não é resultado do esforço humano nem da parceria entre Deus e o homem. Não é sinergismo, é monergismo. Do Senhor vem a salvação. Todo o banquete foi preparado por Deus. O homem é convidado para o banquete que Deus preparou. O homem não coopera com Deus na salvação. Toda a salvação é obra de Deus. E Deus quem escolhe na eternidade. É Deus quem abre o coração. E Deus quem dá o arrependimento para a vida. E Deus quem regenera. E Deus quem justifica. E Deus quem santifica. E Deus quem glorifica. Tudo provém de Deus. O homem é salvo não por seu próprio esforço, mas, sim, por aceitar o convite da graça [9].

3º - Em segundo lugar, os convidados começaram a escusar-se do convite (Lc 14.18-20). No tempo de Jesus, quando alguém era convidado para jantar, avisava-se o dia, porém não a hora exata da refeição. O anfitrião precisava saber quantos convidados compareceriam, a fim de abater o número certo de animais e de preparar comida suficiente. Pouco antes de o banquete começar, o anfitrião enviava os servos à casa de cada um dos convidados para avisar que estava tudo pronto e que era hora de ir (ver Et 5.8; 6.14). Em outras palavras, cada um dos convidados dessa parábola já havia confirmado sua presença no banquete. O anfitrião esperava que comparecessem [10].

No entanto, não foi isso que ocorreu. Todos os convidados insultaram o anfitrião recusando-se a comparecer, apresentando desculpas para sua mudança de planos. Certamente, uma recusa de última hora de participar de um grande banquete é de mau gosto em qualquer cultura. No Oriente Médio isso é considerado uma rude afronta ao hospedeiro [11].

Tanto a recusa como as desculpas absurdas mostram que estes convidados estavam mostrando desprezo pelo dono da festa. Ninguém poderia confundir o desdém manifestado por eles. Suas atitudes foram tomadas como insultos pessoais, e tiveram indubitavelmente esta intenção [12]. As desculpas parecem muito frágeis e transparentes (cf. 9.57-62), desde que ninguém compraria geralmente um campo ou uma junta de bois sem prévio exame. O homem que se casou pode ter achado válida sua desculpa com base nas implicações de Deuteronômio 24.5 (cf. também Dt 20.7), mas deveria ter tomado outras providências para o casamento, tendo aceito o primeiro convite. As recusas mostraram desrespeito pelo anfitrião, e quebraram promessas implícitas na aceitação do primeiro convite [13].

Matthew Henry mostra que essas coisas eram lícitas, mas quando o coração está envolvido demais nelas, provam ser obstáculos fatais à fé e à religião [14].

Jesus, agora, destaca três desculpas apresentadas pelos convidados para não irem ao banquete.

Eu não vou porque tenho coisa melhor para ver (Lc 14.18). Ninguém naquele tempo compraria uma terra antes de vê-la. Quando uma pessoa não quer fazer algo, qualquer desculpa serve. Esse convidado tinha tempo para ver sua propriedade, mas não tinha tempo para Deus. Hoje o dinheiro ocupa a maior parte do nosso tempo, do nosso coração, da nossa devoção. Gastamos tanto tempo vendo o que possuímos, o que compramos e o que queremos ter, que não damos prioridade ao convite da salvação. Não havia nenhum pecado em comprar um terreno e em vê-lo, mas quando coisas boas ocupam o lugar de Deus em nossa vida, essas coisas se tornam um ídolo, e os idólatras não poderão entrar no reino de Deus. Esse convidado colocou o amor pelas coisas materiais à frente do gracioso convite.

Eu não vou porque tenho coisa melhor para fazer (Lc 14.19). Esse convidado tinha de experimentar seus bois. Ele estava ocupado demais com seus afazeres, seus negócios, seus lucros. Por isso, deu-se por escusado. Esse convidado colocou o trabalho, o emprego, a ocupação e os negócios à frente do convite de Deus. Muitas pessoas preferem as riquezas que perecem ao banquete da salvação. Amam mais o dinheiro do que a Deus. São mais apegadas às coisas da terra do que as do céu.

Eu não vou porque tenho coisa melhor para desfrutar (Lc 14.20). O casamento é uma coisa boa. E uma experiência maravilhosa. Mas rejeitar o convite da salvação por causa do casamento é uma insensatez. Deixar de entrar no reino por causa de um casamento é uma loucura. Esse convidado perdeu as bodas do céu por causa de suas bodas na terra. Perdeu uma bênção eterna por causa de uma bênção temporal. Perdeu uma bênção celestial por causa de uma bênção terrena. Muitos, ainda hoje, trocam a salvação pelo casamento. Trocam o reino de Deus por prazeres. Trocam a vida eterna por compromissos sociais [15].

A parábola contém uma ilustração vívida da resposta que o evangelho está constantemente recebendo, em todos os lugares em que é proclamado. Milhões de pessoas estão continuamente fazendo aquilo que a parábola descreve. São convidados a vir a Cristo, mas não querem vir. Não é a ignorância em relação ao cristianismo que arruína as almas dos homens; é a falta de vontade para usar o conhecimento que possuem ou o amor por este mundo [16].

2 – UM BANQUETE PARA OS REJEITADOS (Lc 14.21-24).

Aqueles que faziam parte do segundo grupo de convidados ainda estavam na cidade, o que indica que eles representavam os judeus. Mas o fato de estarem nas ruas e bairros bem como sua frágil condição econômica e física aponta para judeus de menor poder aquisitivo – “publicanos e pecadores”, assim como aqueles que eram literalmente os pobres e aleijados. Os fariseus considerariam todos esses como estando abaixo deles e muito longe de merecerem a atenção e o convite de Deus. Foi este grupo, entretanto, incluindo galileus simples que estavam presentes, que ouviu Jesus “de boa vontade” (ou “com prazer”) [17].

Com isso em mente, podemos destacar algumas lições.

1º - Em primeiro lugar, o Senhor não faz acepção de pessoas (Lc 14.21). Não obstante o honroso convite, os primeiros convidados deram desculpas (Lc   14.17). Jesus veio para os seus, mas os seus não o receberam (Jo 1.11). A nação de Israel não reconheceu o tempo da sua oportunidade, por isso rejeitou o Messias. Então, os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos foram trazidos (Lc 14.21). Havia pressa nesse chamamento feito pelas ruas e becos da cidade. Deus não discrimina nem faz acepção de pessoas (At 10.34; Tg 2.5). Os pobres que nada têm podem vir. Os aleijados com suas deformidades físicas e emocionais podem entrar. Os cegos que não sabem para onde ir são chamados a vir para o banquete, e os coxos que não podem andar são trazidos à sala do banquete. O evangelho é para as pessoas que reconhecem que nada têm. Cristo não veio chamar justos, mas pecadores. Os sãos não precisam de médico e sim os doentes. Somente aqueles que reconhecem sua carência e sua necessidade entram no banquete da salvação [18].

2º - Em segundo lugar, sempre haverá lugar na mesa do Senhor (Lc 14.22). Os publicanos e pecadores, camponeses galileus e aleijados judeus não eram suficientes para lotar a casa de convidados. A sala do banquete ainda tinha muitos lugares vazios. Aqui a imagem vai decrescendo lentamente, e passamos a ver as verdadeiras condições do reino. Vemos seu tamanho vasto, vemos a ilimitada oportunidade para todos aqueles que têm a devida consideração pelo convite do dono da casa [19].

Champlin corrobora com essa ideia quando diz que as “...ruas e becos da cidade...” provavelmente simbolizam aqueles lugares do mundo judaico onde o cristianismo haveria de penetrar, ao passo que os “caminhos e atalhos...” simbolizam o mundo gentílico mais amplo, por onde a igreja haveria de aventurar-se [20].

3º - Em terceiro lugar, a graça irresistível de Deus (Lc 14.23). Todos os que andavam pelos caminhos e atalhos são constrangidos a vir para o banquete (Lc 14.23). Todos aqueles que andavam pelos caminhos e atalhos são obrigados a entrar no banquete, não pelo instrumento da força, mas pela persuasão irresistível da graça. Os que estão errantes e cansados das caminhadas da vida podem encontrar mesa farta no reino de Deus [21]. Agora, lembre-se disso, embora a casa de Cristo seja grande, ela por fim se encherá; isto acontecerá quando o número dos eleitos for completado, e forem trazidos todos aqueles que lhe foram dados [22].

4º - Em quarto lugar, o banquete da salvação fechará suas portas aos que fecharam o coração ao convite da graça (Lc 14.24). A parábola termina com um veredito sombrio sobre aqueles que originalmente foram convidados e que deram suas desculpas. Não haveria uma segunda chance para eles. Esbanjaram a sua oportunidade e não teriam outra. Mais uma vez, vemos Jesus ressaltando a urgência da situação [23].

A inclusão radical das massas é contrabalanceada pela exclusão radical da elite. Nesse caso, a inclusão cria a exclusão (como At 18.6, onde Paulo diz aos judeus teimosos e resistentes de Corinto, “Caia sobre a cabeça de vocês o seu próprio sangue! Estou livre da minha responsabilidade. De agora em diante irei para os gentios”). Nesse texto do banquete messiânico de Lucas 13.22-30, a exclusão das aldeias criou uma inclusão para os quatro cantos do mundo [24].

COMCLUSÃO

Wiersbe diz que a vida cristã não é um funeral, mas sim um banquete, e estamos todos convidados. Cada um deve sair pelo mundo e proclamar a mensagem: “Vinde, porque tudo já está preparado!” Deus quer ver sua casa cheia, e “ainda há lugar”. Ele deseja que vamos para casa (Mc 5.19), que passemos por ruas e becos (Lc 14.21), por caminhos e atalhos (Lc 14.23). e por todo o mundo (Mc 16.15) com o evangelho de Jesus Cristo.

Foi sobre essa parábola que D. L. Moody escreveu seu último sermão, chamado “Desculpas”. Ele o pregou no dia 23 de novembro de 1899, em Kansas City, quando já estava bastante enfermo. “Preciso alcançar almas em Kansas City”, disse aos alunos de sua escola em Chicago. “Nunca senti um desejo tão ardente de levar homens e mulheres a Cristo como agora!”

Com o coração disparado e apoiando-se em um órgão para não cair, Moody pregou o evangelho com grande coragem, e cerca de cinquenta pessoas entregaram a vida a Jesus naquela ocasião. No dia seguinte, Moody voltou para casa, onde veio a falecer um mês depois. Até o último instante, Moody estava “compelindo as pessoas a entrar” [25]

Pense nisso!

Bibliografia:

1 – Kenneth Bailey. As Parábolas de Lucas, Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1985, p. 164.

2 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 299.

3 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 443.

4 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 446.

5 – Ibidem, p. 448.

6 – Evans, Craig A. O Novo Comentário Bíblico Contemporâneo, Lucas, Ed. Vida, São Paulo, SP, 1996, p. 254.

7 – Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 644.

8 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 269.

9 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 444.

10 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 299.

11 – Kenneth Bailey. As Parábolas de Lucas, Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1985, p. 172.

12 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 448.

13 – Ash, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas, Ed. Vida Cristã, São Paulo, SP, 1980, p. 233.

14 – Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 645.

15 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 447.

16 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 255.

17 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 448.

18 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 445.

19 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 449.

20 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 146.

21 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 445.

22 – Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 646.

23 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 221.

24 – Neale, David A. Lucas, 9 – 24, Novo Comentário Beacon, Ed. Central Gospel, Rio de Janeiro, RJ, 2015, p.156.

25 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 301.

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