terça-feira, 21 de abril de 2015

Fazer parte da igreja faz alguma diferença?


Por Robson Tavares

Um dos fenômenos mais preocupantes nos últimos tempos, dentro da igreja, diz respeito ao crescente número de pessoas feridas dentro deste ambiente. A isso denominamos de abuso espiritual. Essa onda crescente de abusos é assustadora e é causadora de sequelas que precisarão de um bom tempo para ser tratadas. Marília de Camargo César define esse abuso espiritual da seguinte forma: 

O ABUSO ESPIRITUAL PODERIA SER definido como o encontro entre uma pessoa fraca e uma forte, em que a forte usa o nome de Deus para influenciar a fraca e levá-la a tomar decisões que acabam por diminuí-la física, material ou emocionalmente. (CÉSAR, 2009, p.35)

Como consequência desse tipo de abuso, observamos o aumento constante do número de pessoas que se posicionam publicamente contra a igreja. Frases de efeito e chavões se tornam cada vez mais comuns e são adotados com uma frequência cada vez maior para disseminar a suposta ideia da “inutilidade” da igreja. Mas, antes de qualquer outra coisa, precisamos estabelecer o que é igreja.

Igreja é um termo que se refere, em seu sentido bíblico, ao povo que é salvo. Portanto, essa expressão diz respeito não a uma instituição ou denominação, mas a um grupo de pessoas salvas. A isto denomina-se de Igreja Invisível. (FERNANDES, 2014, p.15)

Muitos têm ensinado que uma igreja é caracterizada como bíblica pela sua estrutura eclesiástica. Mas se existe algo que nada tem haver com o princípio bíblico de Igreja é a sua forma de governo ou a sua estrutura física. Nesse sentido Ridderbos (2004, p.371,372,377) faz a seguinte afirmação:

[...] a igreja é a continuação e o cumprimento do povo histórico de Deus que, em Abraão, Deus escolheu para si dentre todos os povos e com o qual ele se comprometeu por meio da aliança e das promessas [...] No primeiro ponto de vista, predomina o aspecto histórico-redentor da igreja e no segundo, o cristológico. Em ambos, porém, a salvação concedida em Cristo possui um caráter corporativo e é dada e recebida somente na comunhão dos que foram escolhidos e chamados por Deus para si e para o corpo único de Cristo. [...]

Pode-se perceber com facilidade que essas várias designações da igreja como “santos”, “eleitos”, “amados” e “chamados”, no que se refere também ao seu significado, estão intimamente ligadas entre si e complementam-se reciprocamente. A idéia principal de todas elas é que Deus escolheu e chamou para si um povo dentre os outros povos, assim como Abraão foi chamado de Ur e os crentes foram chamados para Deus pelo evangelho da graça divina. Como tal, eles são amados de Deus, santos, colocados ao lado de Deus e separados do mundo. Semelhantemente ao nome “igreja”, essas qualificações denotam os crentes em Cristo como a igreja do futuro grandioso, a continuidade e manifestação do verdadeiro povo de Deus no sentido histórico-redentor da palavra.

Então, parece que uma das dificuldades que enfrentamos hoje está relacionada a definição do que é a Igreja e a importância da preservação de sua identidade.

Analisemos, por exemplo, duas frases bastante comuns:

1. “VOCÊ É A IGREJA”

Não há nada mais errado do que isso, pois igreja é o conjunto de pessoas salvas, e não apenas uma única pessoa.

Essa frase tem sido utilizada exatamente para transmitir a ideia de que uma única pessoa, sozinha, pode viver um cristianismo sadio, o que não é verdade, especialmente porque um cristianismo sadio não é vivido isoladamente, mas em comunidade. Ao ensinar a orar, Jesus não disse “pai meu” e sim “pai nosso”, o que nos mostra a ideia de comunidade.

O apóstolo Paulo esclarece que os indivíduos são membros do corpo (1Co 12:12,14). Não existe um corpo formado por um único membro (1Co 12:19). E mais, todos são de igual importância (1Co 12:22-25).

2. “EU NÃO PRECISO DA IGREJA PARA SER SALVO”

No século III, Cipriano de Cartago, um dos pais latinos da Igreja[1], declarou Extra Ecclesiam nulla salus (Não há salvação fora da Igreja). A partir daí, temos o princípio da atual interpretação católica de que a salvação é proporcionada pela introdução do indivíduo à Igreja Católica Apostólica Romana. Porém, o renomado historiador, Justo González, explica o que Cipriano queria dizer com isso:

A principal razão pela qual Cipriano insistia na necessidade de regular a admissão dos traidores a comunhão da igreja era seu próprio conceito de igreja. A igreja é o corpo de Cristo, que há de participar da vitória da sua Cabeça. Por isso, “fora da igreja não ha salvação”, e “ninguém que não tenha a igreja por mãe pode ter Deus por pai”. Em seu caso, isto não queria dizer que tivesse de estar de acordo em tudo com a hierarquia da igreja – o próprio Cipriano teve disputas com a hierarquia da igreja de Roma –, mas implicava que a unidade da igreja era de suma importância. Visto que as ações dos confessores ameaçavam quebrantar essa unidade, Cipriano sentia obrigação de rejeitar essas ações e insistir que fosse um sínodo que decidisse o que se devia fazer com os caídos. (GONZÁLEZ, 2011, p.92)

O contexto de Cipriano envolvia uma disputa, uma divisão, gerada pelos confessores que buscavam instalar uma fonte de poder paralelo. Então, Cipriano busca esclarecer que a Igreja, sendo o Corpo de Cristo, deveria manter a sua unidade.

No 17º Capítulo da Confissão Helvética encontramos:

[...] como não havia salvação fora da arca de Noé, quando o mundo perecia no dilúvio, igualmente cremos que não há salvação certa e segura fora de Cristo, que se oferece para o bem dos eleitos na Igreja; e por isso ensinamos que os que querem viver não podem separar-se da Igreja de Cristo.

Esse é um dos pontos mais comuns na maioria das Confissões de Fé publicadas na história da Igreja Cristã: Somente Cristo salva. Na verdade, esse é um dos lemas da reforma Protestante: Solus Christus.

Então, se a salvação não é dada pela Igreja, mas por Cristo, ela é alimentada, fortalecida e nutrida no ambiente da Igreja, que é o Corpo de Cristo. Então, a salvação é um dom de Deus, concedido pelo Espírito Santo e que faz com que o salvo seja introduzido na Igreja.

Uma das marcas dos membros da igreja primitiva era o desejo de estar reunidos (At 1:15, 2:1, 4:31, 11:26, 12;12, 14:27, 20:7,8) em um ambiente em que pudessem compartilhar a sua fé bíblica.

O apóstolo Paulo falou claramente: “Quando vos congregais” (1Co 14:26). O autor aos Hebreus alertou: “Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns” (Hb 10:25).

O nosso alerta, com tudo isso, é para que tomemos cuidado com as filosofias astutas dos desigrejados que buscam sempre incutir nas pessoas, inculcar, a ideia de que não tem importância fazer parte de uma igreja. Porém, o fato bíblico é que é no ambiente da igreja em que o povo de Deus é edificado e cresce espiritualmente.

Não podem os olhos dizer à mão: Não precisamos de ti; nem ainda a cabeça, aos pés: Não preciso de vós. Pelo contrário, os membros do corpo que parecem ser mais fracos são necessários; e os que nos parecem menos dignos no corpo, a estes damos muito maior honra; também os que em nós não são decorosos revestimos de especial honra. Mas os nossos membros nobres não têm necessidade disso. Contudo, Deus coordenou o corpo, concedendo muito mais honra àquilo que menos tinha, para que não haja divisão no corpo; pelo contrário, cooperem os membros, com igual cuidado, em favor uns dos outros. De maneira que, se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com ele todos se regozijam. Ora, vós sois corpo de Cristo; e, individualmente, membros desse corpo. (1 Coríntios 12:21-27)

Participar de uma igreja faz diferença sim, especialmente porque o apóstolo do amor, João, nos disse que o amor de Deus que está em nós deve ser demonstrado na igreja (3Jo 1:5,6). Contudo, o que precisa ser observado é o tipo de igreja que escolhemos para congregar, pois, infelizmente, muitas têm se desviado do seu propósito bíblico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CÉSAR, Marília de Camargo. Feridos em Nome de Deus. São Paulo: Mundo Cristão, 2009.
FERNANDES, Robson Tavares. A preservação da identidade da Igreja: Como a Igreja preserva a sua identidade e ensino no contexto de conflito com a cultura e a sociedade ao seu redor. 2014. 261p. Dissertação (Mestre em Teologia do Novo Testamento) – Seminário Teológico Evangélico do Betel Brasileiro, João Pessoa – PB.
GONZÁLEZ, Justo L. História Ilustrada do Cristianismo: A Era dos Mártires até a Era dos Sonhos Frustrados. São Paulo: Vida Nova, 2011.
RIDDERBOS, Herman. A Teologia do Apóstolo Paulo. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

SEGUNDA CONFISSÃO DE FÉ HELVÉTICA. 1562.
[1] O título “pai da igreja” é dado aos teólogos, professores e mestres cristãos mais importantes e influentes entre os séculos II e VII, cujos escritos auxiliaram no estudo doutrinário para as gerações futuras. Os estudos destes personagens é denominado de Patrística.

Fonte: NAPEC

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