Por Clóvis Gonçalves
E, para que não me ensoberbecesse com a grandeza das revelações, foi-me posto um espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte. 2Co 12:7
Na tentativa de identificar o que seja este espinho na carne do apóstolo Paulo, vale a máxima de Lutero: o que as escrituras não afirmam com clareza, não devemos afirmar com certeza. Seguindo este conselho, o que segue são apenas conjecturas e opinião mais ou menos embasadas.
Podemos, inicialmente, supor que o espinho na carne era espiritual ou físico em sua manifestação. No primeiro caso, a primeira hipótese é de que o mensageiro de Satanás seja, de fato, um espírito maligno que o tormentava. Porém, o paralelo com a experiência de seu homônimo do Antigo Testamento, Saul, de “quando o espírito maligno, da parte de Deus, vinha sobre Saul” (1Sm 16:23) soa insultuoso ao Paulo que disse“o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus” (1Co 6:19).
Outra possibilidade de espinho espiritual é que seriam as tentações de maneira geral, ou de natureza sexual em particular. Porém, os termos mensageiro, no original angelos e esbofetear, do original kolaphizê, sugerem um ser pessoal e atividades pessoais. Embora Paulo pudesse ter uma tendência para o orgulho, pecados sexuais não deve ter sido um problema para ele, que aliás disse a este respeito: “quero que todos os homens sejam tais como também eu sou” (1Co 7:7).
Resta a alternativa de que o sofrimento seja físico e a primeira possibilidade a ser aventada é a perseguição que o apóstolo sofria por parte dos seus adversários. Em favor desta hipótese, há o precedente do Antigo Testamento, onde Deus diz “para a casa de Israel já não haverá espinho que a pique, nem abrolho que cause dor, entre todos os vizinhos que a tratam com desprezo” (Ez 28:24). A palavra traduzida por espinho na LXX foi a mesma utilizada por Paulo na passagem em tela e significa pedaço de madeira afiado, estaca pontiaguda, farpa.
Outro ponto que fortalece esta tese é o fato de que Paulo escreveu sobre o espinho no contexto das perseguições vindas de seus adversários. No capítulo anterior ele fala contra os “falsos apóstolos, obreiros fraudulentos, transformando-se em apóstolos de Cristo” (2Co 11:13), lembra que“cinco vezes recebi dos judeus uma quarentena de açoites menos um” (2Co 11:24) e que “em Damasco, o governador preposto do rei Aretas montou guarda na cidade dos damascenos, para me prender” (2Co 11:32).
Porém, essa explicação também tem sua dose de dificuldades. Paulo recebeu as visões que poderiam levá-lo a se orgulhar bem antes desses adversários terem se levantado contra ele. Além disso, quando fala de seus adversários, diz que “o próprio Satanás se transforma em anjo de luz”(2Co 11:14) e que “não é muito, pois, que os seus próprios ministros se transformem em ministros de justiça” (2Co 11:15). A idéia é de ministros de Satanás travestidos de apóstolos de Cristo e não de homens transformados em emissários de Satanás. Além disso, as expressões “um espinho” e“mensageiro de Satanás” apontam para um indivíduo e não para um grupo de pessoas.
A maioria dos que se debruçaram sobre a questão entende que o espinho na carne refere-se a uma doença física. No texto, fortalece esta posição a espressão “na carne”, que aqui deve ser tomada como significando “corpo de uma pessoa”. Os diagnósticos são variados e incluem, entre outras doenças, epilepsia, histeria, depressão, reumatismo, má audição, lepra, malária, gagueira e retinite solar.
Embora eu entenda que podemos apenas supor a natureza do espinho na carne de Paulo, tenho uma opinião a respeito. Inclino-me a pensar que o espinho de Paulo seja de fato uma dificuldade de visão. Cito como apoio algumas passagens, das quais podemos fazer inferências. Em Gálatas 6:11 o apóstolo diz “vede com que letras grandes vos escrevi de meu próprio punho”. É bem verdade que o motivo de ter escrito com o próprio punho esta parte era para dar ênfase à recomendação que faz, mas permanece o fato de que utilizou letras grandes como pessoas com dificuldade visual. Ele também diz “dou testemunho de que, se possível fora, teríeis arrancado os próprios olhos para mos dar” (Gl 4:15). Novamente, a passagem não é decisiva, mas o fato de Paulo ter dito “se possível fora” e não “se necessário fora” me parece indicação de que Paulo não estava apenas sendo hiperbólico, mas que tinha mesmo essa necessidade.
Finalmente, um alerta. Muitas vezes, no estudo da Bíblia, nos perdemos em detalhes desimportantes e pouco claros e deixamos de ver a mensagem principal, aquilo que Deus intencionou nos ensinar. Se você está preocupado com a identificação do espinho na carne de Paulo a ponto de não ter prestado atenção no que a passagem diz de forma clara, sugiro que volte lá, não mais para investigar sobre o que seria o espinho, mas para aprender o que Deus quer te ensinar através dela.
Soli Deo Gloria
Fonte: NAPEC
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