Por Marcelo Berti
Desde que o ataque terrorista à sede revista Charlie Hebdo, diferentes pessoas apresentaram diferentes posicionamentos relacionados ao evento. Em solidariedade àqueles que foram brutalmente atacados, muitos se levantaram dizendo: “Eu sou Charlie.” Outros, horrorizados com o baixo nível das críticas da revista responderam: “Eu não sou Charlie.”
SER…
Por um lado eu entendo aqueles que dizem serem Charlie. Nem todos se alinham com o tipo de humor, nem todos apoiam as críticas religiosas que fizeram, e ainda é possível que exista entre eles um grupo de pessoas que apesar de se sentir “ofendido” pelo tipo de humor, ainda assim se solidariza com a brutalidade do evento. Essas pessoas se auto-intitulam “Charlie,” não necessariamente por afinidade ao ideais ou com as charges da revista, mas pelo repúdio ao terrorismo.
José Ribamar Bessa Freire resume bem essa ideia: “Portanto, quando alguém afirma ‘eu sou Charlie’ não está necessariamente assinando embaixo de todas as charges. Está se solidarizando com jornalistas assassinados, está defendendo a liberdade de expressão em qualquer parte do mundo.” Nesse sentido eu poderia ser “Charlie.”
…OU NÃO SER..
Mas, esse parece não ser o caso com todos. Ser Charlie para muitos significa aprovar o tipo de humor que a revista produzia. A liberdade de expressão é algo pelo qual alguém deveria morrer para defender. Gregório Duvivier afirmou que os chargistas “não devem ser tratados como pivetes malcriados que ‘fizeram por merecer,’ mas como artistas brilhantes que morreram pela nossa liberdade.” A liberdade de poder falar o que quiser, como quiser, ofenda a quem ofender para eles é algo digno o suficiente para classificar a morte dos cartunistas da Charlie Hebdo como heróica. Eles são os verdadeiros mártires do humor, morreram pela nobre causa da liberdade de expressão.
Nesse sentido, não posso ser Charlie. Não consigo violar minha consciência e valores para defender o que não acredito ter defesa. Na minha opinião as charges violam a moral e o respeito, dois importante componentes da civilidade. O humor ácido me da azia ao invés de produzir em mim risos. Ele me deixa desconfortável e indisposto à risada. E quem me conhece sabe que sou alguém de riso fácil, que se diverte com piadas nem tão engraçadas. Mas dificilmente poderia dar-me a rir com a representação homossexual da trindade feita pela Charlie Hebdo. Aliás, como cristão jamais apoiaria esse tipo de humor, por que não acredito ser produtivo, saudável, ou simplesmente engraçado. Não consigo rir daquela “arte.”
EIS A QUESTÃO
Então, quer dizer que você acredita que o ataque terrorista foi merecido? De forma nenhuma. Não sei se consigo encontrar palavras adequadas para representar meu repúdio àquele evento.Ninguém merece aquilo. Nada justifica aquela brutalidade. O extremismo islâmico não consegue nem entender o Lex Talionis, o mais primitivo senso de justiça da humanidade. De acordo com essa lei babilônica encontrada no Código de Hammurabi (1790 AC), e também presente na Lei de Israel, a gravidade de retaliação é limitada pela gravidade da ofensa: “olho por olho, dente por dente.” Foi ofendido com humor, revide com humor. A resposta desproporcional e desumana daqueles jovens demonstra o risco do fanatismo religioso extremista do Islã. É impossível encontrar valor ou virtude em um movimento que impõe o terror em nome da religião. Eles são a representação mais triste desse fanatismo e evidenciam que o mesmo é infértil. O massacre dos cartunistas gerou no ocidente apenas revolta contra o Islã, desprezo por Alá e ibope para uma revista desconhecida para a grande maioria do mundo.
Agora, no que se refere à revista, também devo dizer que apesar de ter certa repulsa pelo tipo de humor que a revista produz, não me sinto ofendido pelas charges e críticas que fizeram. Não mesmo, nem por um segundo. A cosmovisão cristã parte do pressuposto de que a humanidade não é o que deveria ser, e portanto, situações como essa e piores do que essa são esperadas. O ódio contra os cristãos não começou ontem nem vai acabar amanhã. Somos o grupo de povo mais perseguido no mundo, e diariamente cristãos morrem em função de sua fé. Diante dessa realidade o que é uma meia dúzia de desenhos de mal gosto? Para mim, nada. Não me afeta em nada.
Alexamenos Grafitto
Sandro Baggio fez algumas considerações interessantes sobre o evento usando uma das mais primitivas evidências de zombaria contra o Cristianismo. O Alexamenos Grafitto é uma inscrição esculpida em gesso em uma parede perto do Monte Palatino, em Roma, no qual Alexamenos, um homem romano, é retratado adorando a alguém crucificado. Entretanto, no grafite Jesus foi retratado como tendo a cabeça de um asno. Explicando o grafite, Baggio afirmou: “Evidentemente [este] não é um ícone de adoração, mas uma versão primitiva das charges de Charlie Hebdo, cujo objetivo era zombar da fé cristã.” Pouco à frente completa: “Desde o início da fé cristã, os cristãos são vítimas de zombaria. O próprio apóstolo Paulo admitiu isso em sua carta aos Corintíos, quando disse que sua fé era considerada um escândalo (ofensa) para os judeus e uma loucura (tolice) para os gentios.” O que pouca gente sabe é que o próprio título de “cristão” foi um título de zombaria dado pelos habitantes de Antioquia aos seguidores de Cristo (At.11.26). Esse é o ponto: a zombaria contra o Cristianismo não é recente, não é nova nem inovadora. Talvez tenha se tornado mais gráfica, mais sexual e mais frequente, mas isso é apenas uma questão de contexto e oportunidade.
ENTÃO O QUE?
Afinal, devo ser ou não ser Charlie? A verdade é que para mim tanto faz. Seja Charlie, não seja Charlie, mas seja coerente. Não consigo ser cristão e ao mesmo tempo defender, apoiar ou consumir o tipo de humor produzido pela revista Charlie Hebdo. Como um ente livre que sou, acredito que essa é uma opção pessoal plausível e não antagônica. Ninguém é obrigado a consumir e/ou distribuir aquilo de que não gosta e/ou aprova. Para o meu paladar aquele humor é indigesto e desnecessário.
Por outro lado, como cristão eu me consolido com o sofrimento alheio, eu me simpatizo com o sentimento de perda. Como cristão eu gostaria de responder o humor da Charlie com o amor de Cristo. Amor por humor, me parece uma troca justa, mesmo quando eu saio perdendo. Em resposta ao movimento radical islâmico, eu gostaria de ser um cristão radical. Enquanto eles querem impor o terror da religião, eu quero propagar o amor de Cristo. Enquanto querem causar o mal, quero promover o bem. Enquanto querem se fazer ouvidos, quero ouvir e prestar atenção. Enquanto querem guerra, quero paz. Enquanto querem imposição, quero diálogo. Enquanto querem matar, eu prefiro morrer. É melhor ser um cristão disposto à morte que um muçulmano pronto a matar.
Muçulmano Radical: “Se você não aceitar o Islã, isso vai custar sua vida” / Cristão Radical: “Eu preciso te contar a respeito de Jesus, mesmo que isso custe a minha vida” – Radical Muslim vs radical Christian – Adam Ford
Provavelmente ninguém se importará com minha resposta ao evento, e as pessoas que mereciam receber minha resposta de amor provavelmente não vão recebê-lo da minha pessoa. Mas espero que outros cristãos como eu possam entender que responder em amor é em muitos casos ficar em silêncio. No silêncio corremos o risco da omissão, mas evitamos o da estupidez. Falar o desnecessário para o cristão é muito pior do que não falar nada. Talvez seja por isso que me delonguei a manifestar opinião no assunto.
Entretanto, estou consciente de que ao quebrar o silêncio estou sujeito a ser julgado pelo que acredito. Por isso, uma coisa digo àqueles que discordam do que escrevi: Nessa breve nota, em meio a tanto caos e desordem, eu tentei ser coerente comigo mesmo e com o evangelho que defendo.
Fonte: NAPEC
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