Por Clóvis Gonçalves
“Porém ele lhe disse: como fala qualquer doida, falas tu; receberemos o bem de Deus, e não receberíamos o mal? Em tudo isto não pecou Jó com os seus lábios” Jó 2:10
“Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; e era este homem íntegro, reto e temente a Deus e desviava-se do mal” (Jó 1:1). Assim começa a história do homem a quem Deus havia abençoado com uma esposa e ”sete filhos e três filhas” (Jó 1:2). Além da bela família, Deus o havia feito prosperar, pois ”o seu gado era de sete mil ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas de bois e quinhentas jumentas; eram também muitíssimos os servos a seu serviço, de maneira que este homem era maior do que todos os do oriente” (Jó 1:3). Jó tinha motivos de sobra para louvar a Deus. Ele reconhecia que todo o bem que lhe sucedia, era dádiva divina: “o Senhor o deu”(Jó 1:21), dizia.
Mas, o que aconteceria se ele experimentasse o mal? Sabemos o que aconteceu. Num só dia Jó perdeu todos os seus bens e, mais trágico ainda, um vento derrubou a casa em que estavam seus dez filhos, matando a todos. Ao receber a notícia Jó “se levantou, e rasgou o seu manto, e rapou a sua cabeça, e se lançou em terra, e adorou”(Jó 1:20). A profunda dor o levou à adoração imediata: “nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá; o Senhor O deu, e o Senhor O tomou: bendito seja o nome do Senhor” (Jó 1:21). Adorar não reverteu a situação, pelo contrário, ficou ainda pior. Acometido de “úlceras malignas, desde a planta do pé até ao alto da cabeça” (Jó 2:7) ouve sua esposa dizer “ainda reténs a tua sinceridade? Amaldiçoa a Deus, e morre” (Jó 2:9). Sua firme resposta é: “como fala qualquer doida, falas tu; receberemos o bem de Deus, e não receberíamos o mal? Em tudo isto não pecou Jó com os seus lábios” (Jó 2:10).
O que aprendemos com a história e atitude de Jó? Aprendemos que:
1. Tanto o bem como o mal provém das mãos de Deus. Deus ordena todas as coisas, nada acontece fora de Seu conselho. Inclusive as coisas ruins, que chamamos de mal, procedem de Deus. A Bíblia faz inúmeras afirmações do tipo “a mão do Senhor era contra eles para mal” (Jz 2:15), “eis que suscitarei da tua própria casa o mal sobre ti” (2Sm 12:11), “trouxe o Senhor sobre eles todo este mal” (1Rs 9:9), “eis que este mal vem do Senhor” (2Rs 6:33), “trouxe o nosso Deus todo este mal sobre nós” (Ne 13:18), “eu trago do norte um mal, e uma grande destruição” (Jr 4:6), “sucederá algum mal na cidade, sem que o Senhor o tenha feito?” (Am 3:6) e “desceu do Senhor o mal até à porta de Jerusalém” (Mq 1:12). Todas as coisas, sejam boas ou más, estão sob o governo soberano de Deus, que delas dispõe como Lhe agrada. Apesar disso, Deus não é o autor do pecado, pois “longe de Deus esteja o praticar a maldade e do Todo-Poderoso o cometer a perversidade!” (Jó 34:10). O mal, ou melhor dizendo, o sofrimento ocasionado por Deus não é pecaminoso, mas cumpre Seus propósitos santos.
2. O mais santo dos homens pode ser o mais afligido deles. Apesar do mal trazido pelo Senhor geralmente ser expressão do juízo de Deus sobre o pecado e a rebeldia, não significa que todo sofrimento é causado pelo pecado na vida da pessoa afligida. Vemos o caso de Jó. Era “homem íntegro, reto e temente a Deus e desviava-se do mal” (Jó 1:1). No entanto, sabemos o quando sofreu. E o que dizer de Jesus? Jamais pecou, no entanto “era desprezado, e o mais rejeitado entre os homens, homem de dores, e experimentado nos trabalhos; e, como um de quem os homens escondiam o rosto, era desprezado, e não fizemos dele caso algum. Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Is 53:3-5). Ser um crente fiel não é garantia de bênçãos e prosperidade, e experimentar o mal não é evidência de que a pessoa vive em pecado ou tem falta de fé.
3. Devemos receber as coisas boas e as más como vindas de Deus. O dualismo que atribui a Deus as bênçãos e a Satanás o mal que nos advém não é menos que impiedade e loucura. “Como fala qualquer doida, falas tu; receberemos o bem de Deus, e não receberíamos o mal?” (Jó 2:10), reponde Jó à sugestão de sua mulher. A loucura a que Jó se refere não é deficiência intelectual, mas impiedade grosseira, como em Sl 14:1: “Disse o néscio no seu coração: Não há Deus. Têm-se corrompido, fazem-se abomináveis em suas obras, não há ninguém que faça o bem”. O crente fiel irá receber de boa mente tudo o que Deus lhe enviar, seja bom ou ruim, pois sabe “que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8:28). Sendo assim, o crente jamais maldiz a sua sorte, mas louva a Deus que ordena o mal para seu bem final. Como José, reconhece: “Vós bem intentastes mal contra mim; porém Deus o intentou para bem, para fazer como se vê neste dia” (Gn 50:20).
Diante dessas lições percebemos a malignidade da teologia da prosperidade. Ao pregar que Deus nos dá coisas boas, negam o controle e o uso soberano que Deus faz do mal. Ao profetizar apenas saúde e bênçãos materiais para os que são fiéis, não preparam as pessoas para o sofrimento que certamente virá sobre o crente e algum momento de suas vidas e, pior, atribuirão tais males ao pecado e falta de fé. Ao dizerem que todo sofrimento é obra do Diabo, promovem um dualismo que dá mais glória ao Diabo que pode fazer o que bem entender do homem, enquanto que para que Deus possa frear a ação do inimigo é preciso que o homem realiza coisas em favor de Deus. A cura para essa doença é uma teologia que exalte a soberania de Deus e reconheça a Sua providência em tudo o que acontece, seja bom, seja ruim.
Soli Deo Gloria
Fonte: NAPEC
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