Por Magno Paganelli
Tenho insistido, nos textos e palestras que faço, na indispensável necessidade de todo cristão conhecer e entender o que é a justificação, ou a doutrina da justificação. Ela é tão importante, tão necessária, que o apóstolo Paulo dedica mais de dois capítulos da carta aos romanos para falar do tema. A Reforma Protestante, capitulo fundamental na história da Igreja, gira em torno dessa mesma questão: a justificação – e justificação pela fé, e não por outro meio.
No entanto, quando pergunto às pessoas para as quais tenho falado em palestras e seminários, ninguém sabe do que trata a justificação. E irmãos e irmãs que são oficiais em suas igrejas, nem mesmo eles sabem o que é a doutrina da justificação!
Então, está configurada a necessidade de falar sobre o tema!
O que é a Justificação?
“Justificação significa absolvição da culpa, cuja pena foi satisfeita. Significa ser declarado livre de toda culpa, tendo cumprido os requisitos da lei. Ou ainda, justificação é o ato pelo qual nos tornamos “justos” perante Deus, mediante a aceitação do sacrifício de Cristo. Há uma verdade fantástica acerca da justificação, que é a substituição. Sem a substituição não seria possível a justificação. Jesus se tornou substituto do pecador para cumprir a exigência da lei que é a pena do pecado.” (Elienai Cabral, Carta aos Romanos, CPAD)
Como e por que ela ocorre?
Quando transgredimos o mandamento (que não admite pecado contra a sua Lei), a justiça de Deus exige a morte do pecador (“Aquele que pecar é que morrerá.” Ez 18.4). Essa é uma exigência feita pela justiça de Deus, uma vez que a santidade e a divindade do Todo-poderoso são afrontadas pelo pecado, pecado que nada mais é do que rebeliãocontra ou rompimento da relação Criador x criatura.
Como todos pecamos (“Todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus”. Rm 3.23 e 5.12), seria necessária a extinção da raça. Inviável, isso foge a vontade de Deus sobre o aumento a população, povoamento do planeta e criação de um povo que o adore e o sirva.
A alternativa foi a implantação do sacrifício, como vemos no Antigo Testamento. Um animal morre em lugar do transgressor da Lei. Mas o problema maior permanecia lá, já que o sacrifício pelo pecado era uma ação externa ao pecador, que raríssimas vezes atingia o âmago da questão: o seu coração.
O sacrifício de Cristo é o que a Bíblia chama de sacrifício perfeito. Os atos realizados no Antigo Testamento eram provisórios (“pois é impossível que o sangue de touros e bodes tire pecados”. Hb 10.4), e apontavam (ou aguardavam) o sacrifício perfeito. O sangue derramado do cordeiro no Antigo Testamento apenas “cobria” o pecado e “amenizava” a exigência pela justiça. Mas a vinda do “Cordeiro de Deus” traz consigo não uma cobertura para o pecado, mas a remoção definitiva. É por isso que João Batista diz: “Vejam! É o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (Jo 1.29). João não diz que Jesus “cobre”, mas que “tira” os pecados do mundo. O sangue de Jesus tem o poder de atender às exigências feitas pela justiça santa de Deus.
Assim, Jesus conquista o crédito (ou mérito), por assim dizer, de satisfazer a justiça da Lei de Deus e pode compartilhar esse crédito com aqueles que depositam fé no seu sacrifício e em seu sangue.
Em Romanos 3.21 lemos: “Mas agora se manifestou sem a lei a justiça de Deus, tendo o testemunho da lei e dos profetas.” Essa “justiça de Deus” é Jesus Cristo, o justo, e quanto a nós, somos justificados se tivermos fé em seu sangue. Com duas palavrinhas iniciais do versículo 21 “mas agora”, abriu-se um novo caminho para o pecador andar. É o caminho da fé na pessoa de Jesus, o qual está aberto para todo aquele que crê em Cristo. Não há distinção de pessoa, raça, língua, cor ou condição social. Todos os homens têm esse direito desde que creiam. Esse caminho é provisão divina para o mundo pecador. O pecado afastou o homem de Deus e cortou a comunhão entre ambos. Mas essa provisão tornou possível uma nova comunhão com Deus, através de Jesus Cristo. Ele obteve para o pecador a justificação fazendo-se expiação de nossa culpa pelo seu sangue. Podemos comparecer diante de Deus através de seus méritos.” (Ibidem)
Os três elementos da Justificação
Os três elementos da justificação são: a graça, o sangue e a fé. Vejamos os versículos que dizem respeito.
1. “Sendo justificados gratuitamente pela sua graça…” (Rm 3.24a). A graça de Deus é o seu favor para com o pecador, independente de merecimento. Por isso, o pecador é justificado “gratuitamente”. O versículo ainda diz: “mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Rm 3.24b). O ato justificador pela graça de Deus baseia-se na redenção efetuada por Jesus no Calvário.
A palavra redenção na Bíblia tem dois significados no grego: agorazõ que significa “retirar do mercado”, isto é, comprar e não deixar mais exposto a outras vendas (Gl 3.13; 4.5; Ef 5.16; Cl 4.5), uma vez que o escravo era considerado uma mercadoria para compra e venda e o pecador é um escravo do Diabo e do pecado. A outra palavra grega que élustroõ que significa “desamarrar” ou “soltar” (Lc 24.21; Tt 2.14; 1Pe 1.18); portanto a obra redentora foi efetuada por Jesus, que “libertou” os pecadores.
2. “Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue…” (Rm 3.25a). No sangue está a base e a causa da justificação. Duas palavras se destacam no versículo de Romanos: sangue e propiciação. O sangue derramado faz com que sejam removidos os pecados anteriormente cometidos, ou seja, ele faz a propiciação, isto é, torna “favorável”, torna “propício” o relacionamento do homem com Deus (relacionamento que tinha sido rompido pelo pecado). O escritor aos Hebreus observa que “sem derramamento de sangue, não há remissão de pecados” (Hb 9.22).
O sangue de Cristo faz a propiciação, mediante a fé. O sangue de Cristo satisfaz as exigências divinas de justiça, cumprindo as exigências da Lei. Jesus cumpriu toda a Lei derramando o seu próprio sangue. Deus enviou seu Filho Jesus para morrer como sacrifício propiciatório.
3. “Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da Lei” (Rm 3.28). Com esse versículo fica claro que por recursos, méritos ou esforços próprios (o que algumas versões chamam “jactância”) o homem não alcança a justificação, mas somente por meio da fé. Fé significa aceitar com plena confiança o sacrifício justificador de Cristo.
Que significa, então, ser justificado pela fé? (Rm 3.28)
Significa receber o reconhecimento divino de justiça a partir do que Cristo fez em nosso favor. A palavra justificar, no grego da época, é dikaioo, e quer dizer “declarar justo”.
Como o pecador é declarado justo diante de Deus?
Visto que o pecador não tem condição nem méritos para ser justificado diante de Deus, então Cristo, “que não conheceu pecado”, tomou os pecados sobre si e os cravou na sua cruz, fazendo-se “pecador por nós”. Feito isto, Ele propiciou para nós a justificação. Nossa justificação baseia-se (por meio da fé) na obra que Cristo fez por nós (2Co 5.21; Tt 3.4,5).
No versículo 31 o apóstolo levanta uma questão: “Anulamos, pois, a Lei, pela fé? Você pode ter feito a mesma pergunta alguma vez, e a reposta é NÃO. “De maneira nenhuma, antes confirmamos a Lei”. O fato da justificação efetuar-se mediante a fé não anula a Lei, nem a desmerece. Pelo contrário, a fé se baseia no fato de Cristo ter cumprido toda a Lei por todos os homens. A Lei não perde sua importância mediante a fé, ela não se torna sem efeito; ao contrário, a Lei é confirmada no sentido de que ela foi cumprida integralmente pelo autor da fé, Jesus Cristo. Ele mesmo falou certa feita: “Não penseis que vim destruir a Lei ou os Profetas; não vim destruir, mas cumprir” (Mt 5.17).
Vimos, então, os princípios do pecado e a necessidade da salvação, Deus se revelando ao homem e preparando a salvação, o processo expiatório (ou redentivo) no Antigo Testamento e sua transição para o Novo Testamento; o que é a graça, a propiciação e por último a justificação.
Espero ter esclarecido o importante tema, tão prezado a inúmeros cristãos na história da Igreja, especialmente a Lutero, que como um dos promotores da Reforma teve a doutrina da justificação pela fé como o eixo em torno do qual sua compreensão teológica girou. Esse, aliás, um dos lemas da Reforma: Justificação pela fé somente, em contraste que mecanismos inúteis praticados no romanismo.
Fonte: NAPEC
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