Tiago, servo de Deus, e do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos que andam dispersas, saúde (Tg 1.1).
A epístola
de Tiago pertence à categoria de escritos bíblicos chamados de epístolas gerais.
Hebreus, Tiago, 1 Pedro, 2 Pedro, 1 João, 2 João, 3 João e Judas. Algumas
dessas epístolas, porém, não têm destinatário; no caso de Hebreus e de 1 João,
também falta o nome do autor. Tiago nos dá o seu nome e o nome daqueles a quem
se refere e sua saudação.1
Podemos destacar algumas lições importantes em sua apresentação:
Primeiro, Tiago se apresenta como servo de Deus. Tiago, servo de Deus... (v. 1a).
As cartas no primeiro século iniciavam geralmente com o nome do autor, seguido pelo nome do receptor e uma fórmula de saudação na mesma ordem que aparecem nesta carta. O autor identificou-se simplesmente como Tiago. Provavelmente, nenhuma outra explicação era necessária para os cristãos daquela época. Eles logo compreendiam tratar-se de Tiago de Jerusalém, o reconhecido líder da Igreja.2
Humildemente, Tiago se denomina “servo” (doulos, lit. “escravo”) enquanto Judas, além de se descrever como servo (doulos), acrescenta “irmão de Tiago”.3
Tiago é o único escritor do Novo Testamento que se descreve a si com o termo doulos (escravo) sem acrescentar nenhuma outra qualificação. Paulo se apresenta a si mesmo como servo de Jesus Cristo e como seu apóstolo (Rm 1.1; Fp 1.1). Mas Tiago não vai mais além de se chamar a si mesmo escravo de Deus e do Senhor Jesus Cristo.
Há, pelo menos, quatro implicações neste título.
1) Obediência absoluta. O escravo não reconhece outra lei à parte da palavra de seu amo ou senhor; não tem direitos próprios de nenhuma classe. É possessão absoluta de seu senhor e está ligado a este por uma total e indisputável obediência.
2) Humildade absoluta. É a palavra de um homem que não pensa em seus privilégios, mas em seus deveres; não em seus direitos, mas em suas obrigações. É um homem que perdeu sua própria identidade para servir a Deus. É um homem que literalmente se negou a si mesmo, que disse não a si para dizer sim a Deus.
3) Lealdade absoluta. É a atitude de um homem que não tem interesses próprios porque está plenamente entregue a Deus. O que faz, ele o faz para Deus. As conquistas e as preferências próprias não entram em seus cálculos. Sua lealdade é em relação a Deus.
4) Orgulho por ser escravo de Cristo. Longe de ser algo desonroso, este era o título com o qual eram conhecidos os grandes homens do Antigo Testamento. Ao tomar o título de doulos, Tiago se coloca na grandiosa sucessão daqueles que encontraram sua liberdade, sua paz e sua glória na perfeita submissão à vontade de Deus. A única grandeza a que o cristão pode aspirar é a grandeza de ser escravo de Deus.4
Elizabeth George enfatiza que:
[...] a palavra grega doulos (escravo, servo) refere-se a uma posição de obediência completa, humildade absoluta e lealdade inabalável. A obediência era a tarefa, a humildade, a posição, e a lealdade, o relacionamento que um senhor esperava de um escravo... Não há maior atributo para o crente, que ser conhecido como servo de Jesus, obediente, humilde e leal.5
O termo “escravo” quando era usado em relação a Deus, os leitores judeus compreendiam tratar-se de um adorador.6
Segundo, Tiago se apresenta também como servo de Jesus Cristo. ...e do Senhor Jesus Cristo... (v. 1b).
Este é o único lugar no Novo Testamento onde um indivíduo é chamado de servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo. Alguns pensam que “Cristo” não é usado aqui como um título, sendo quase um nome próprio. Todavia, é provável que Tiago tenha em mente as duas qualificações de Jesus, para obter força teológica: Jesus é tanto o Messias prometido de Israel como o Senhor a quem se deve servir. É interessante que na única outra oportunidade em que Tiago se refere a Jesus, ele O descreve com os mesmos dois títulos (2.1).7
Fritz Grünzweig destaca que:
[...] Tiago é “servo do Senhor Jesus Cristo”. Não afirma que é o irmão do Senhor. Viu-o como ressuscitado. Conhece-o como Aquele que agora foi glorificado. Portanto, já não tem a mesma posição diante d’Ele como no passado, quando ambos cresceram juntos em Nazaré. Vemos aqui o que significa: “Não conhecemos mais a Cristo segundo a carne” (2Co 5.16). Impede-se a falsa familiaridade. Não devemos esquecer a magnitude e santidade de nosso Senhor em vista da sua proximidade e amor.8
Terceiro, Tiago escreve sua epístola a uma igreja perseguida. ...às doze tribos que andam dispersas, saúde (v. 1c).
Tiago 1.1 diz que “as doze tribos na dispersão” (gr. diáspora) são os destinatários (cf. 1Pe 1.1). Tiago dirige sua epístola ao povo de descendência judaica que vive fora de Israel, entre outras nações. São os judeus da Dispersão (Jo 7.35).9
A “diáspora” judaica era um fenômeno bem conhecido desde o exílio assírio e babilônico, e no tempo de Tiago já havia comunidades judaicas em várias cidades do Mediterrâneo (Alexandria, Antioquia, Roma, etc.). Esses judeus, agora convertidos a Cristo, enfrentavam desafios específicos: perseguições tanto de autoridades judaicas quanto romanas, dificuldades econômicas e a tentação de se conformar com o mundo ao redor.
Esse termo grego dá a ideia de “espalhar sementes”. Quando os cristãos judeus foram dispersos na primeira onda de perseguição (At 8.1, 4), na verdade, o que ocorreu foi uma semeadura em diversos lugares, e muitas dessas sementes deram frutos (At 11.19ss).10
John
MacArthur destaca que:
[...] além de exercer liderança na igreja de Jerusalém, Tiago também desempenhou um ministério mais abrangente. A expressão “doze tribos”, utilizada no Novo Testamento como referência à nação de Israel, remete à divisão ocorrida após o reinado de Salomão: dez tribos formaram o reino do norte e Judá e Benjamim constituíram o reino do sul. Com a queda do reino do norte e a deportação para a Assíria, parte do remanescente das tribos migrou para Judá, mantendo a representatividade das doze tribos. Embora a identidade tribal tenha se perdido após a destruição dos registros durante o domínio babilônico, as Escrituras afirmam que, no futuro, Deus restaurará a nação e confirmará a identidade de cada tribo (Is 11.12,13; Jr 3.18; 50.19; Ez 37; Ap 7.5-8).11
Parece provável que, embora Tiago tivesse como foco da sua atenção os judeus convertidos, estas palavras incluíam todo Israel espiritual, isto é, os cristãos em toda parte.12
Quarto, a saudação de Tiago. ...saúde (v. 1d).
“Saudações” ou “saúde”, traduz a palavra grega chairein que vem da mesma raiz de “alegria” (charan), que aparece logo no versículo seguinte. Ela enfatiza que os cristãos, pertencentes à família remida de Cristo, têm motivos especiais para se alegrar no relacionamento que têm mutualmente por causa dessa redenção.13
Fritz Grünzweig destaca que:
[...] o mensageiro de Jesus conhece e traz a razão da alegria, a grande oferta: o ser humano é aceito por Deus. Recebe a paz d’Ele. Torna-se filho d’Ele. Deus é bom para ele. Servindo a Ele, a vida humana se reveste de sentido. Ele confere participação na grande e convicta esperança. O crente pode participar eternamente daquilo que Deus é, tem e faz. Isso é evangelho, boa notícia, motivo de alegria.14
A palavra final traz um convite para enxergar a vida cristã com esperança, mesmo em meio a provações. Tiago vai desenvolver isso logo a seguir (1.2: “tende por motivo de grande alegria o passardes por várias provações”). Ou seja, a saudação já antecipa o tom da carta: fé viva, perseverança e alegria em Cristo.
Bibliografia:
1 – KISTEMAKER, Simon J. Comentário
do Novo Testamento, Tiago e Epístolas de João. 1ª ed., São Paulo, Cultura
Cristã, 2006, p. 39.
2 – HARPER, A. F. Comentário
Bíblico Beacon, Hebreus a Apocalipse, Vol. 10. 1ª ed., Rio de
Janeiro, CPAD, 2006, p. 152.
3 – SHEDD, Russell P., BIZERRA, Edmilson F. Uma
Exposição de Tiago, A Sabedoria de Deus. 1ª ed., São Paulo, Shedd, 2010, p.
11.
4 – BARCLAY, William. The Letter of James. [S.I.: s.n.], 1975, p. 43, 44.
5 – GEORGE, Elizabeth. Tiago:
crescendo em sabedoria e fé. 1ª ed., São Paulo, Hagnos, 2004, p. 15.
6 – HARPER, A. F. Comentário Bíblico Beacon, Hebreus a
Apocalipse, Vol. 10. 1ª ed., Rio de Janeiro, CPAD, 2006, p. 152.
7 – MOO, Douglas J. Tiago, Introdução e Comentário.
1ª ed., São Paulo, Vida Nova, 2011, p. 57.
8 – GRÜNZWEIG, Fritz. Cartas
de Tiago, Pedro, João e Judas, Comentário Esperança. 1ª ed., Curitiba,
Esperança, 2008, p. 27.
9 – KISTEMAKER, Simon J. Comentário
do Novo Testamento, Tiago e Epístolas de João. 1ª ed., São Paulo, Cultura
Cristã, 2006, p. 41.
10 – WIERSBE, Warren W. Novo
Testamento 2, Comentário Bíblico Expositivo Vol. 6. Santo André,
Geográfica, 2007, p. 431.
11 – MACARTHUR, John. Comentario del Nuevo Testamento,
Santiago. 1ª ed., Michigan, Portavoz, 2018, p. 19.
12 – HARPER, A. F. Comentário
Bíblico Beacon, Hebreus a Apocalipse, Vol. 10. 1ª ed., Rio de Janeiro,
CPAD, 2006, p. 153.
13 – SHEDD, Russell P., BIZERRA, Edmilson F. Uma
Exposição de Tiago, A Sabedoria de Deus. 1ª ed., São Paulo, Shedd, 2010, p.
10.
14 – GRÜNZWEIG, Fritz. Cartas
de Tiago, Pedro, João e Judas, Comentário Esperança. 1ª ed., Curitiba,
Esperança, 2008, p. 27.