terça-feira, 18 de novembro de 2014

Ensaios sobre a Igreja na pós-modernidade: definições


Por Jonas Ayres

Pós-modernidade. Eis um termo que significa muito, que possui muitas definições e literatura numa amplitude cada vez mais surpreendente. Muitos filósofos, sociólogos e estudiosos da área utilizam o termo pós-moderno, outros preferem o uso do termo hipermoderno. Justamente por estarmos vivendo neste tempo, tão carente de absolutos, não é de se estranhar a dificuldade de utilização do mesmo termo bem como o estado de desespero que muitas vezes toma conta das pessoas pela simples menção da expressão “pós-moderno”.

Pós-modernismo é tanto uma noção histórica e cronológica quanto uma idéia filosófica. Analisando sob a ótica histórica, pós-modernismo se refere à modernidade, devido este tempo preceder o outro bem como a rejeição do pós-modernismo por alguns conceitos modernos. Sob o aspecto cronológico, muitos definem que o pós-modernismo é o retrato de uma era que já começou, e sob alguns aspectos já substituiu a modernidade. Por fim, na concepção filosófica e psicológica trata-se de um tempo de grande “relativismo cultural sobre coisas tais como realidade, verdade, razão, valor, significado lingüístico, o eu e outras idéias” (MORELAND & CRAIG, 2005, p.186).

Para a igreja, o pós-modernismo representa um desafio. Um bom desafio conforme as palavras de Ferreira e Myatt (2007, p.4):

Para muitos, a situação pós-moderna é uma ocasião de desespero. Mas é exatamente nos momentos históricos que se mostram mais difíceis que a fé cristã se levanta, trazendo nova esperança. E, nestes momentos, a tarefa teológica se torna crítica para proclamar e defender a fé, e para nortear o povo de Deus na travessia dos campos de batalha que permanecem à frente. Nosso desafio é fazer uma teologia que coloque toda a riqueza da fé evangélica histórica desde a igreja antiga até a atual, em contato com os problemas de um mundo pós-moderno e globalizado, trazendo luz, vida e esperança para um povo cuja existência carece do significado que somente se encontra no Senhor.

Para os estudiosos da área, fica o desafio de definir o que significa este tempo. Esperandio (2007, p.41) lança uma opinião sobre este tempo que confere com o pensar de muitos:

Vê-se, pois, que as teorizações sobre pós-modernidade/pós-modernismo vão se construindo simultaneamente ao próprio aparecimento dessa nova configuração do social, que os teóricos têm dificuldade em definir: seria então uma nova forma de ser, de pensar e viver, mas ainda dentro da modernidade, ou poderia esse novo modo de existência (com implicações visíveis nos mais variados campos do saber) ser categorizado como um outro período histórico, o pós-moderno?

Por ser uma época em processo de definição, existe certa controvérsia no meio acadêmico quanto ao emprego correto de “rótulo” que melhor determine este tempo. Um filósofo muito influente que afirma que o pós-modernismo já “passou” é Gilles Lipovetsky. Na verdade, Lipovetsky defende que o pós-modernismo sequer existiu; este filósofo francês defende que:

O neologismo pós-moderno tinha um mérito: salientar uma mudança de direção, uma reorganização em profundidade do modo de funcionamento social e cultural das sociedades democráticas avançadas. Rápida expansão do consumo e da comunicação de massa; enfraquecimento das normas autoritárias e disciplinares; surto de individualização; consagração do hedonismo e do psicologismo; perda da fé no futuro revolucionário; descontentamento com as paixões políticas e as militâncias – era mesmo preciso dar um nome à enorme transformação que se desenrolava no palco das sociedades abastadas, livres do peso das grandes utopias futuristas da primeira modernidade. (LIPOVETSKY, 2004, p.52).

Dando a explicação do porque do uso do termo “pós”, ele afirma que que o que vivemos é na verdade o tempo do “hiper”:

A cultura hipermoderna se caracteriza pelo enfraquecimento do poder regulador das instituições coletivas e pela autonomização correlativa dos atores sociais em face das imposições de grupo, sejam da família, sejam da religião, sejam dos partidos políticos, sejam das culturas de classe. (…). Testemunho disso é a maré montante de sintomas psicossomáticos, de distúrbios compulsivos, de depressões, de ansiedades, de tentativas de suicídio, para nem falar do crescente sentimento de insuficiência e autodepreciação. (…). À desregulação institucional generalizada correspondem as perturbações do estado de ânimo, a crescente desorganização das personalidades, a multiplicação de distúrbios psicológicos e de discursos queixosos. (LIPOVETSKY, 2004, p.83-84).

Doutra forma, renomados filósofos cristãos como Norman L. Geisler, William Lane Craig, J.P. Moreland e Peter Kreeft defendem que o que vigora ainda é o pós-modernismo.

Partindo deste pressuposto, é preciso estabelecer meios de comunicar e praticar o cristianismo neste horizonte, e para que a proclamação do Evangelho seja eficaz é preciso conhecer esta cosmovisão, não fugir dela, mas de modo algum criar alianças e contextualizações. Morley (2005, p.200) disse:

Quanto mais compreendermos as idéias das pessoas, melhor poderemos comunicar a verdade das Escrituras e do Evangelho para elas. Por isso é que estudamos sobre cultos e religiões, e daí a grande importância de que os missionários estejam muito bem preparados entenderem as culturas nas quais vivem. Mas poucos cristãos do ocidente se esforçam o suficiente para compreender a cultura onde eles mesmos vivem!

Outro fato importante a se destacar é que não existe consonância quanto ao inicio da era pós-moderna; o que existe é o consenso que alguns nomes influenciaram muito a forma de pensar do homem, que mudou sua atitude severamente moldando assim a sociedade atual. Existem fatores e nomes que acenderam o “estopim” do pós-modernismo.

Após o fracasso da crença numa “perfeição humana” e na sua eventual bondade, vendo o século XX ser manchado de sangue, mancha esta das duas grandes guerras mundiais, uma guerra fria, estados governados por regimes cruéis, ditadores e totalitaristas, inúmeras guerras civis, o vergonhoso Holocausto efetuado pelos nazistas (como uma flecha no coração modernista europeu), tensões na frança sob o regime do presidente Charles de Gaulle em 1968 (onde os jovens bradaram nas ruas o termo “é proibido proibir”) e profundas mudanças no regime marxista, mudanças no pensamento quanto a perfeição do modernismo foram minando tal época.

Nomes como Michel Foucalt, Jacques Derrida, Richard Rorty e Jean-François Lyotard passaram a por em xeque a concepção modernista.

Foucault rejeitava a idéia que o conhecimento é algo intrinsecamente neutro. Para ele a ciência e conhecimento são instrumentos de opressão usados pelos que os possuem cuja finalidade é obter poder e domínio sobre as massas. Em síntese, no pensamento de Foucault, toda afirmação de conhecimento é na verdade um ato de poder.

Derrida apregoa que os dicionários, por exemplo, dão a falsa impressão que as palavras possuem definições e significados absolutos, inalteráveis. Para ele o significado das coisas/palavras está ligado às experiências pessoais de cada indivíduo, e como tais experiências mudam de forma constante, os significados também mudam. Agindo assim, Derrira continuou a “desconstruir” conceitos tradicionais firmados no pensamento humano. De certa forma, a conseqüência macro do seu pensamento em nossos dias é o relativismo, ou seja, tudo é relativizado por cada ser e a verdade e o absoluto não passam de meros conceitos individuais. Sobre Derrida, Geisler diz (2002, p. 248):

É considerado um “filósofo” francês contemporâneo, apesar de alguns questionarem se ele é um verdadeiro filósofo. É pai de um movimento conhecido como “desconstrutivismo”, ainda que pessoalmente ele rejeite o significado popular do termo. O movimento também é chamado “pós-modernismo”, apesar de Derrida também não usar o termo para descrever sua visão.

Rorty por sua vez, com seu pensamento neo-pragmático afirma que a idéia da verdade é apenas um mito. Em seu modo de pensar a “verdade” é aquilo que sobrevive às objeções dentro do contexto cultural ao que é apresentado, assim, o que é verdade continua sendo relativizado, não pelo individuo, mas pelo ambiente sócio-cultural. Para Rorty, devemos abandonar a busca pela verdade e nos contentarmos simplesmente com a interpretação.

Por fim, Lyotard apregoa um pensamento em favor da diversidade e de considerações meramente pragmáticas.

Tal ambiente cria uma aparente sensação de que tudo está mais belo e livre e que o homem pós-moderno é de fato o mais realizado de todos os tempos. Poucos são francos em admitir seu verdadeiro sentimento de vazio e confusão. Nas palavras de Miranda (2006, p.264):

[as pessoas] sentem-se diariamente rodeadas pelo diferente, pelo desconhecido, pelo estranho. Ninguém está completamente à vontade na sociedade pós-moderna. Estamos todos contaminados por uma epidemia silenciosa de insegurança e de angústia. A oferta generosa e abundante de “definições da realidade”, à semelhança de um shopping bem sortido, garante ao individuo maior espaço para sua liberdade, mas, simultaneamente, descarrega sobre ele o difícil ônus de construir sua própria identidade sem lhe oferecer referências sólidas, objetivos comprovados, ideais aceitos pela sociedade que, outrora, lhes garantia honorabilidade e, sobretudo, credibilidade.

Por mais que a análise do pensamento desses pensadores tenha sido superficial, é possível identificar que os conceitos relativistas e pluralistas que permeiam o pensamento do homem pós-moderno têm como fonte tais filosofias. Relativismo, pluralismo e a rejeição da verdade são marcas deste tempo, as quais McGrath refuta (2007, p.168):

Contudo, a lenta saída da modernidade, ainda que inexorável, não significa que o evangelicalismo precise assumir a ordem pós-moderna. Com efeito, o evangelicalismo provê um ponto de observação fundamental de onde criticar aspectos da visão de mundo pós-moderna, não menos sua aparente reação exagerada à ênfase do Iluminismo na verdade. A verdade permanece um assunto de importância apaixonante para o evangelicalismo, mesmo que exista uma pressão cultural bastante forte na sociedade ocidental para conformar com sua ótica prevalecente de “meu ponto de vista é tão bom quanto o seu”.

Mas afinal, o que significa para a humanidade o passar da era moderna para a pós-moderna. Conforme Lipovetsky (2007, p.23) disse:

A pós-modernidade representa um momento histórico preciso em que todos os freios institucionais que se opunham à emancipação individual se esboaram e desapareceram, dando lugar à manifestação dos desejos subjetivos da realização individual, do amor-próprio. As grandes estruturas socializantes perdem a autoridade, as grandes ideologias já não estão mais em expansão, os projetos históricos não mobilizam mais, o âmbito social não é mais que o prolongamento do privado – instala-se a era do vazio, mas “sem tragédia e sem apocalipse”.

Eis o cenário armado para a introdução de linhas teológico-filosóficas no cristianismo histórico que são verdadeiros cavalos-de-tróia. Na ansiedade por ter um cristianismo mais amigável ao pensamento pós-moderno, o movimento da Igreja Emergente adentrou o cristianismo hodierno como tal cavalo-de-tróia.

BIBLIOGRAFIA

ESPERANDIO, Mary Rute Gomes. Para entender pós-modernidade. São Leopoldo: Sinodal, 2007.

FERREIRA, Franklin & MYATT, Alan. Teologia sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Edições Vida Nova, 2007.

MORELAND, J.P. & CRAIG, William Lane. Filosofia e cosmovisão cristã. São Paulo: Edições Vida Nova, 2005.

LIPOVETSKY, Gilles. Tempos hipermodernos. São Paulo: Editora Barcarolla, 2004.

MORLEY, Brian K. in MACARTHUR, John. Pense biblicamente: recuperando a visão cristã de mundo. São Paulo: Hagnos, 2005.

GEISLER, Norman. Enciclopédia de apologética: respostas aos críticos da fé cristã. São Paulo: Editora Vida, 2002.

MIRANDA, Mário de França. A igreja numa sociedade fragmentada. São Paulo: Edições Loyola, 2006.

MCGRATH, Alister. Paixão pela verdade: a coerência intelectual do evangelicalismo. São Paulo: Shedd Edições, 2007.

Fonte: NAPEC

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